Ali Aboutaam |
13.12.09
11.12.09
CHEIRINHO DE TINTA! PORTAL FUNDAÇÃO-Lançamento em janeio/10
P R O J E T O P O R T A L
A revista Portal Fundação — quarto número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira — traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.
São vinte e seis narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dezesseis autores contemporâneos.
O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.
Aviso importante: o projeto não se destina à comercialização. Os poucos exemplares da revista serão dados de presente aos leitores escolhidos pelos autores.
Os contistas do Portal Fundação são: Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Giulia Moon, Laura Fuentes, Leandro Leite Leocadio, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Martha Argel, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Souza Causo, Roberto Melfra e Rodrigo Novaes de Almeida.
P O R T A L F U N D A Ç Ã O
revisão: FERNANDO SILVA • diagramação: RAQUEL RIBEIRO • capa: TEO ADORNO
formato: 16 X 23 CM • nº de págs.: 156 • tiragem: 450 EXEMPLARES
http://projeto-portal.blogspot.com
A revista Portal Fundação — quarto número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira — traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.
São vinte e seis narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dezesseis autores contemporâneos.
O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.
Aviso importante: o projeto não se destina à comercialização. Os poucos exemplares da revista serão dados de presente aos leitores escolhidos pelos autores.
Os contistas do Portal Fundação são: Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Giulia Moon, Laura Fuentes, Leandro Leite Leocadio, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Martha Argel, Mustafá Ali Kanso, Ricardo Delfin, Richard Diegues, Roberto de Souza Causo, Roberto Melfra e Rodrigo Novaes de Almeida.
P O R T A L F U N D A Ç Ã O
revisão: FERNANDO SILVA • diagramação: RAQUEL RIBEIRO • capa: TEO ADORNO
formato: 16 X 23 CM • nº de págs.: 156 • tiragem: 450 EXEMPLARES
http://projeto-portal.blogspot.com
2.12.09
RESENHAS? Existem sim - Lépida, abarcante e lúcida, esta:
P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
RESENHA AO STALKER POR Daniel Serrano-do PQP
FONTE: www.postoqueposto.blogspot.com
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Sobre Portal Stalker
Portal Stalker é uma revista literária; dedica-se à ficção científica e é o terceiro número (são seis previstos) de projeto do escritor Nelson de Oliveira, que tem se mostrado excelente agregador de bons escritores. A Portal Neuromancer, hão alguns de lembrar, passou por aqui em resenha, há já quase um ano. Para o número novo, algumas considerações: bem mudado vem o time de escritores — Portal Stalker atua com elenco justo de onze. Dos que tinham disputado o outro torneio, é de se reconhecer que mantiveram a forma. Roberto de Sousa Causo, Marco Antônio de Araújo Bueno, Tiago Araújo e Luiz Bras não só mantêm firme a bola ao pé como arriscam novos dribles, sem que com isso saiam a equilibrar-se em altos saltos, coisa de contrário tão comum no futebol, irmão rico da literatura. É ainda certo que põe-se um time sempre novo, à busca de coisa nova que lhe dê brilho aos espetáculos. Entram aí fortes as estréias: Sérgio Tavares, Brontops e Ivan Hegenberg, presenças-mais-que-preciosas nesse penetrar ofensivo à língua. Desses, afinal os que mais gostaram a este confuso resenhista, fazem-se breves comentários.
Roberto de Sousa Causo
Ágil seu conto O novo protótipo — preciso nos cortes do texto. O início vai a levar o leitor, até que se anuncia, como a negar pirulito: “Gostava do bairro. Seria bom morar nele, mas ela estava ali para matar um homem”. E aí está-se dentro. A narrativa consegue envolver e curiosos são os experimentos de vocabulário, que têm no colocar-junto de duas palavras ordinárias o efeito grandioso: metrômaglev, lixôrganico, foramundo.
Sérgio Tavares
Sagrado é assustador e realíssimo. Grande empresa de marketing, de mercado, toda a organizar mega-evento religioso. Há no narrador um distanciamento como que obrigatório, mas também uma ânsia de envolvimento. Quer pôr-se longe e para isso indica “procurar bibliografia em MKULTRA, ARTICHOKE, BLUEBIRD, MKDELTA, MKNAOMI e outros”, além de cuidar da precisão, indicando numericamente velocidades médias e acelerações. Mas deixa-se levar, enchem-se seus olhos com o “espetáculo de chamas e choro” e chega a desabafar: “Por fim me perguntou se, para mim, filho da puta, havia algo realmente sagrado". Incorpora humor, e aí tem-me um ponto.
Brontops
Na vista ampla, o tema é batido: fim do mundo. Mas chega a ser triunfal a saída que lhe encontra em Kripton. Sem também deixar tombar o humor, sai-se muito bem com o conto {Os quereres}, verdadeira ode ao acaso em tempos (estes e os que provavelmente vêm) de controle de variáveis. Dá no que dá — o verdadeiro apocalipse é o que se vive, ou se viveu, o que aliás lhe tira o tom dramático, embora não tanto. Trata disso seu terceiro gol na revista, sob o longo título Buraco no céu ou 22 de dezembro de 2012.
Marco Antônio de Araújo Bueno
É o do esquema tático. Atenção para a composição muito pouco casual dos parágrafos, em números de linhas. No fantástico Holograma, 4/4/4/4/4/8/4/4/4/4/4; ajuda-nos a subir a montanha e depois tomba-nos de lá, carinhosamente. As frases são curtas, rápidas, tomam da poesia certo paralelismo, metrirritmando a prosa. Também assim são Tempo virtual, mate real e Nonsensal. Wharia avariada, cativante já no título, é tripartido: I, II, III. Atos-corte, fissuras no espaço-tempo, com costura precisa, enxuta.
Tiago Araújo
Quando anuncia “Os quatro ou cinco centímetros de espessura — dependendo da vontade do casal”, suspendendo a função da medida, Tiago Araújo me tira um riso do lábio. E segue assim ao levar-nos por seus três contos [Artigo 15.720 (Provisório), Artigo 16.831 (Translúcido) e Artigo 20.053 (Revelação)], sempre a jogar com o dúbio e esticar, suspender. Das boas lições, uma delas é um verdadeiro manual para a sobrevivência dos relacionamentos conjugais.
Luiz Bras
Volta e volta com suas perseguições. Tem-se a missão, sai-se a cumpri-la, queimam-se arquivos. Gostoso mesmo é o jeito por que nos leva a história, em lances de engano e enganação. Singularidade nua é um dos mais longos da revista, mas tanto se sustenta que flutua; atrito, mesmo, só tomado por boa coisa — atrito de faísca.
Ivan Hegenberg
O personagem de seu Esquizóide está confuso, mas confunde-nos ao notar-se personagem. Não se sabe “at home” ou “at Rome”, nem se Júlio César é Jesus Cristo. Nem importa; o conto dá margem a algumas das mais criativas brincadeiras de linguagem da revista: “Um ou vários vírus. Vèro. Vi, vi, vi, vi, vi, vrrrrrrrrrrrrrrr...” ou “Tróia dos portos dos fortes das troças trapaças...”. Mas confuso, em verdade, é o que não está o personagem. Ou não será isto sinal de lucidez: “Será isso o que se passa comigo? Não um experimento científico, mas um experimento artístico?”
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
RESENHA AO STALKER POR Daniel Serrano-do PQP
FONTE: www.postoqueposto.blogspot.com
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Sobre Portal Stalker
Portal Stalker é uma revista literária; dedica-se à ficção científica e é o terceiro número (são seis previstos) de projeto do escritor Nelson de Oliveira, que tem se mostrado excelente agregador de bons escritores. A Portal Neuromancer, hão alguns de lembrar, passou por aqui em resenha, há já quase um ano. Para o número novo, algumas considerações: bem mudado vem o time de escritores — Portal Stalker atua com elenco justo de onze. Dos que tinham disputado o outro torneio, é de se reconhecer que mantiveram a forma. Roberto de Sousa Causo, Marco Antônio de Araújo Bueno, Tiago Araújo e Luiz Bras não só mantêm firme a bola ao pé como arriscam novos dribles, sem que com isso saiam a equilibrar-se em altos saltos, coisa de contrário tão comum no futebol, irmão rico da literatura. É ainda certo que põe-se um time sempre novo, à busca de coisa nova que lhe dê brilho aos espetáculos. Entram aí fortes as estréias: Sérgio Tavares, Brontops e Ivan Hegenberg, presenças-mais-que-preciosas nesse penetrar ofensivo à língua. Desses, afinal os que mais gostaram a este confuso resenhista, fazem-se breves comentários.
Roberto de Sousa Causo
Ágil seu conto O novo protótipo — preciso nos cortes do texto. O início vai a levar o leitor, até que se anuncia, como a negar pirulito: “Gostava do bairro. Seria bom morar nele, mas ela estava ali para matar um homem”. E aí está-se dentro. A narrativa consegue envolver e curiosos são os experimentos de vocabulário, que têm no colocar-junto de duas palavras ordinárias o efeito grandioso: metrômaglev, lixôrganico, foramundo.
Sérgio Tavares
Sagrado é assustador e realíssimo. Grande empresa de marketing, de mercado, toda a organizar mega-evento religioso. Há no narrador um distanciamento como que obrigatório, mas também uma ânsia de envolvimento. Quer pôr-se longe e para isso indica “procurar bibliografia em MKULTRA, ARTICHOKE, BLUEBIRD, MKDELTA, MKNAOMI e outros”, além de cuidar da precisão, indicando numericamente velocidades médias e acelerações. Mas deixa-se levar, enchem-se seus olhos com o “espetáculo de chamas e choro” e chega a desabafar: “Por fim me perguntou se, para mim, filho da puta, havia algo realmente sagrado". Incorpora humor, e aí tem-me um ponto.
Brontops
Na vista ampla, o tema é batido: fim do mundo. Mas chega a ser triunfal a saída que lhe encontra em Kripton. Sem também deixar tombar o humor, sai-se muito bem com o conto {Os quereres}, verdadeira ode ao acaso em tempos (estes e os que provavelmente vêm) de controle de variáveis. Dá no que dá — o verdadeiro apocalipse é o que se vive, ou se viveu, o que aliás lhe tira o tom dramático, embora não tanto. Trata disso seu terceiro gol na revista, sob o longo título Buraco no céu ou 22 de dezembro de 2012.
Marco Antônio de Araújo Bueno
É o do esquema tático. Atenção para a composição muito pouco casual dos parágrafos, em números de linhas. No fantástico Holograma, 4/4/4/4/4/8/4/4/4/4/4; ajuda-nos a subir a montanha e depois tomba-nos de lá, carinhosamente. As frases são curtas, rápidas, tomam da poesia certo paralelismo, metrirritmando a prosa. Também assim são Tempo virtual, mate real e Nonsensal. Wharia avariada, cativante já no título, é tripartido: I, II, III. Atos-corte, fissuras no espaço-tempo, com costura precisa, enxuta.
Tiago Araújo
Quando anuncia “Os quatro ou cinco centímetros de espessura — dependendo da vontade do casal”, suspendendo a função da medida, Tiago Araújo me tira um riso do lábio. E segue assim ao levar-nos por seus três contos [Artigo 15.720 (Provisório), Artigo 16.831 (Translúcido) e Artigo 20.053 (Revelação)], sempre a jogar com o dúbio e esticar, suspender. Das boas lições, uma delas é um verdadeiro manual para a sobrevivência dos relacionamentos conjugais.
Luiz Bras
Volta e volta com suas perseguições. Tem-se a missão, sai-se a cumpri-la, queimam-se arquivos. Gostoso mesmo é o jeito por que nos leva a história, em lances de engano e enganação. Singularidade nua é um dos mais longos da revista, mas tanto se sustenta que flutua; atrito, mesmo, só tomado por boa coisa — atrito de faísca.
Ivan Hegenberg
O personagem de seu Esquizóide está confuso, mas confunde-nos ao notar-se personagem. Não se sabe “at home” ou “at Rome”, nem se Júlio César é Jesus Cristo. Nem importa; o conto dá margem a algumas das mais criativas brincadeiras de linguagem da revista: “Um ou vários vírus. Vèro. Vi, vi, vi, vi, vi, vrrrrrrrrrrrrrrr...” ou “Tróia dos portos dos fortes das troças trapaças...”. Mas confuso, em verdade, é o que não está o personagem. Ou não será isto sinal de lucidez: “Será isso o que se passa comigo? Não um experimento científico, mas um experimento artístico?”
17.11.09
"Um Trato Retrô"- Conto;ficção literária
“Um trato retrô”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Nas semanas depois do acidente tudo estava confuso, sobretudo a identidade dela, sua auto-imagem. Cirurgias seguidas, rotinas alteradas e intoxicação medicamentosa – dessa geléia plasmada na pressa, na dor e na urgência, precisava extrair uma nova matriz identitária, urgente, na pressa; com dor e tudo. Tempo lhe sobrara, um tempo flácido de esperar o tempo passar entre as pontualidades dos remédios, das consultas. E foi nessa oficina do capeta que surgiu a idéia de juntar suas fotos três por quatro e organizá-las numa tomada de vista única. O efeito foi arrebatador. Tudo lá, simultâneo e chancelado pelo olhar oficial de fotógrafos profissionais lidando com o que chamavam de “o cu da profissão”. Ei-la, em fotogramas manchados por marcas de carimbo, distribuída pelo tempo linear; comovente – retratos, só.
Só? Uma constelação de achados sobre si mesma. Ela, uma pedra Roseta a lhe propor uma espécie de arqueologia do próprio rosto; a convocá-la à descoberta de recorrências e revelações tão sutis sob a lupa da maturidade. Sim, o retrato oficial é um tipo de seqüestro da imagem, constatou. O negativo entregava, pelo afã do bem-parecer, os desastres todos que, foto a foto, repetiam-se na captura de um rosto angustiado aqui, outro tão amargo mais adiante, tão falso-relaxado por vezes. Tão pouco e muito – ela, sempre. Sempre o desafio de contornar a precariedade do registro com algum artifício improvisado. Sorriria? Posaria solene conforme o destino institucional do retrato – um RG, uma CNH, uma matrícula. E sempre só mais tarde a idéia de que aqueles retratos que a precederiam em inscrições e situações protocolares, numa surpresa perpétua ou quase, fariam a reedição de sua pertença por um rosto que já pouco lhe pertencia.
Mas a visada agora era diferente. Tratava-se de lançar mão do que fosse a potência de alguns traços, de reeditá-los mentalmente e construir um compósito de rosto certo, autêntico e quase heróico por ter sobrepujado a aflição dos momentos alinhavados, com vistas a moldar um rosto leal a si mesma, abstraída a linha do tempo.
Com tantas restrições de movimento, de ações mínimas do rosto, vinha notando um empobrecimento da gestuária e da expressão facial. Reduzido a deslocamentos estereotipados, o rosto que emergia do colar cervical levou-a a perceber-se como uma tartaruga ou com uma pomba de anel no pescoço. Os olhos, olhos apassivados, acomodando-se à passividade, oscilavam entre a máscara da dor e a contemplação resignada dos momentos de trégua. Assim, somado à construção do compósito redentor, ocorreu-lhe eleger uma dentre as fotos para identificar-se com ela, imitar-lhe o semblante e recriar alguma vivacidade, alguma expansão a partir do que jazia capturado ali, eivado de vida. Parecer-se consigo, imitar as ações correspondentes, injetar-se vida. Mas vida lastreada, avalizada por uma biografia retrospectiva. Ideal e fiel ao que fora, um dia, a máscara que melhor podia representá-la para o olhar do mundo administrado que lhe exigira os retratos desidratados de vida. Vida seca? Ora, vida...
Estava há horas no editor de fotos, olhos secos, pernas dormentes e completamente magnetizada. É este! E no exato momento em que proferiu a escolha percebeu-se impregnada pelo repertório completo subjacente ao retrato. Agora chega, Vilma – a voz firme e benevolente do marido – Faça algum alongamento, você está impregnada de remédios opíóides, do campo eletromagnético do computador, de inércia! Vilma, chamada pelo nome, sem apelidos, diminutivos, girou a cabeça na direção da voz e, plena de seu repertório resgatado, ergueu a cabeleira com as duas mãos, lançou-a para trás, sorriu mordendo o cantinho da boca e, sedutora como aos dezessete, elevou os olhos para o teto em busca de um vazio prontinho para ser colonizado por uma fala nova. Original porque a origem era ela; original pela ruptura com as falagens mornas com que vinha recobrindo sua convalescença:
-Impregnada, ual! Opióides, é? Já acabei aqui, vou passar um protetor e tomar um sol; fodam-se os edemas. E mais, uma cervejinha ou duas não vão me matar.
Na tela, a vestibulanda audaciosa, cheia de verdades indizíveis e congelada no tempo, emanava vibrações e hormônios tempestuosos e...vida, direto para essa nova Vilma, já publicitária interrompida , libido em concordata e um calvário por rotina aos trinta e oito, incompletos. Na tela, a Vilma poderia secar, diria um Oscar Wilde. Um trato; belo trato dionisíaco em plena vigência do tratamento apolíneo. Vida chama vida, ora. E ecos de leituras juvenis ocupavam seus devidos espaços na parte de dentro da cabeça, em cujo rosto pálido, os olhos agora cintilavam.
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Nas semanas depois do acidente tudo estava confuso, sobretudo a identidade dela, sua auto-imagem. Cirurgias seguidas, rotinas alteradas e intoxicação medicamentosa – dessa geléia plasmada na pressa, na dor e na urgência, precisava extrair uma nova matriz identitária, urgente, na pressa; com dor e tudo. Tempo lhe sobrara, um tempo flácido de esperar o tempo passar entre as pontualidades dos remédios, das consultas. E foi nessa oficina do capeta que surgiu a idéia de juntar suas fotos três por quatro e organizá-las numa tomada de vista única. O efeito foi arrebatador. Tudo lá, simultâneo e chancelado pelo olhar oficial de fotógrafos profissionais lidando com o que chamavam de “o cu da profissão”. Ei-la, em fotogramas manchados por marcas de carimbo, distribuída pelo tempo linear; comovente – retratos, só.
Só? Uma constelação de achados sobre si mesma. Ela, uma pedra Roseta a lhe propor uma espécie de arqueologia do próprio rosto; a convocá-la à descoberta de recorrências e revelações tão sutis sob a lupa da maturidade. Sim, o retrato oficial é um tipo de seqüestro da imagem, constatou. O negativo entregava, pelo afã do bem-parecer, os desastres todos que, foto a foto, repetiam-se na captura de um rosto angustiado aqui, outro tão amargo mais adiante, tão falso-relaxado por vezes. Tão pouco e muito – ela, sempre. Sempre o desafio de contornar a precariedade do registro com algum artifício improvisado. Sorriria? Posaria solene conforme o destino institucional do retrato – um RG, uma CNH, uma matrícula. E sempre só mais tarde a idéia de que aqueles retratos que a precederiam em inscrições e situações protocolares, numa surpresa perpétua ou quase, fariam a reedição de sua pertença por um rosto que já pouco lhe pertencia.
Mas a visada agora era diferente. Tratava-se de lançar mão do que fosse a potência de alguns traços, de reeditá-los mentalmente e construir um compósito de rosto certo, autêntico e quase heróico por ter sobrepujado a aflição dos momentos alinhavados, com vistas a moldar um rosto leal a si mesma, abstraída a linha do tempo.
Com tantas restrições de movimento, de ações mínimas do rosto, vinha notando um empobrecimento da gestuária e da expressão facial. Reduzido a deslocamentos estereotipados, o rosto que emergia do colar cervical levou-a a perceber-se como uma tartaruga ou com uma pomba de anel no pescoço. Os olhos, olhos apassivados, acomodando-se à passividade, oscilavam entre a máscara da dor e a contemplação resignada dos momentos de trégua. Assim, somado à construção do compósito redentor, ocorreu-lhe eleger uma dentre as fotos para identificar-se com ela, imitar-lhe o semblante e recriar alguma vivacidade, alguma expansão a partir do que jazia capturado ali, eivado de vida. Parecer-se consigo, imitar as ações correspondentes, injetar-se vida. Mas vida lastreada, avalizada por uma biografia retrospectiva. Ideal e fiel ao que fora, um dia, a máscara que melhor podia representá-la para o olhar do mundo administrado que lhe exigira os retratos desidratados de vida. Vida seca? Ora, vida...
Estava há horas no editor de fotos, olhos secos, pernas dormentes e completamente magnetizada. É este! E no exato momento em que proferiu a escolha percebeu-se impregnada pelo repertório completo subjacente ao retrato. Agora chega, Vilma – a voz firme e benevolente do marido – Faça algum alongamento, você está impregnada de remédios opíóides, do campo eletromagnético do computador, de inércia! Vilma, chamada pelo nome, sem apelidos, diminutivos, girou a cabeça na direção da voz e, plena de seu repertório resgatado, ergueu a cabeleira com as duas mãos, lançou-a para trás, sorriu mordendo o cantinho da boca e, sedutora como aos dezessete, elevou os olhos para o teto em busca de um vazio prontinho para ser colonizado por uma fala nova. Original porque a origem era ela; original pela ruptura com as falagens mornas com que vinha recobrindo sua convalescença:
-Impregnada, ual! Opióides, é? Já acabei aqui, vou passar um protetor e tomar um sol; fodam-se os edemas. E mais, uma cervejinha ou duas não vão me matar.
Na tela, a vestibulanda audaciosa, cheia de verdades indizíveis e congelada no tempo, emanava vibrações e hormônios tempestuosos e...vida, direto para essa nova Vilma, já publicitária interrompida , libido em concordata e um calvário por rotina aos trinta e oito, incompletos. Na tela, a Vilma poderia secar, diria um Oscar Wilde. Um trato; belo trato dionisíaco em plena vigência do tratamento apolíneo. Vida chama vida, ora. E ecos de leituras juvenis ocupavam seus devidos espaços na parte de dentro da cabeça, em cujo rosto pálido, os olhos agora cintilavam.
1.11.09
"Eu?"-Conto (Fantasia) selecionado para P.FUNDAÇÃO
Eu?
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Me? Se me virem fazendo barulho é que deu briga. Tenho pouco tempo pra estar nas coisas que não prezo muito. Só queria meu lápis vermelho, por fora, que por dentro tem meu traço da infância. Pencil, pensei – o veneno dele vinha do grafite e eu deixei perder tudo numa aulinha, num lanchinho do curso de inglês. Vim buscar o meu costume de sempre, só. E topo com esse turbilhão na idéia. Não entendo a filosofia dessas pessoas, querendo sempre o mesmo feijão, de tempero igual. O jeito de fazer o tempero muda sempre, mas não comem o jeito, mandam o mesmo requentado goela adentro para ficarem parecidos com eles mesmos. Quase derrapo nesse erro. O lápis trazia meu traço de infância. Procurei até ficar nervoso e vir aqui, e, aqui, entendo que outro lápis pode dar em outro jeito de infância, que esta não muda nunca. Um distanciamento, uma maturidade sobre as mesmas paisagens; fiz meu trabalho, ficou bom sim, mas quero meu vermelhinho, meu talismã. Estou desprendido dele agora e ele ficará à vista, num pote grande, de grandes pincéis inúteis. E como a infância não desgruda de mim, essa barulheira toda é para marcar uma mudança de tela, para jogar umas cores nessas caras de azulejo.Precisava mesmo metralhar pigmentos, questions-tags se quiserem, contra essa idéia de comer requentado, de temer temperos desconfortáveis, têmperas de um deslizar incômodo. Por exemplo, essas ilustrações que eu compro nas apostilas e que ficam agredindo meu senso de alguma coisa verdadeira, de cara limpa... Pois chega dessa merda, eu não aprendo com essa merda e a cara de vocês me causa pena de mim mesmo. Se respeito quando ficam ridículos atrás de um chupa-cabras, de um blutufe encharcado de material que nem é seus, ilustrado por um idiota de avental, então por que dar risada de quem procura seu lápis sossegado? Filhos da puta, robozinhos de merda, don’t you? Quero a porra do meu vermelhinho porque inventava coisas com ele, ora. E os caras me zoando: - “Is the pencil red? Are you shure?” – o caralho é red, o lápis é cinza 0,7, ignorantes. E vai voar apostila e notebook nessa espelunca se meu lápis não aparecer!
Se quero um copo d’água, quero sim, mas pra jogar na tua cara e ver borrar esse olho de peixe morto, tia. Tia... ridículo eu aqui, cumprindo as vontades de uma menina bobona, eu repetente, sempre. Repeti o terceiro ano três vezes, três vezes três, nove e noves fora, zero. Zero de recurso, zero de Geografia, zero na carteira pra conta da luz. Já estudou matemática com vela? Dependendo da posição dela, dependendo do vento, uma equação vira um animalzinho esperto, os olhinhos vivos, procurando umas figuras, mais amiguinhos. Eu só ficava aceso assim, imaginando, temperando minha tristeza de ser deslocado, com as figuras que já estavam inventadas, mas uma luminária vermelha como a do Robson não mostrava. “Vira ela assim, torce pra lá, olha agora... Deu pra ver?”. Não, não estava vendo nada e a mãe dele achando que aquela luz era sacanagem sexual, idéia minha – só podia dar nisso, estudar com moleque mais velho, dispersivo: -“Repete de ano e fica bulindo com meu filho, retardado!”. Hoje penso no tanto de sombra naquela cabeça de mãe novinha, que parava em casa e trazia lanchinho, os peitinhos loiros aparecendo na camiseta moderna.
Essa espelunca tem cheiro de lanchinho, de achocolatado. Se a Geografia ficou me atrasando a vida, as equações viraram personagens, lagartos com língua bifurcada, dinossauros. E o Inglês da tia não é pra mim, é pra cumprir minha palavra na editora. Acho que a “tia” se enjoou desse cheiro e fica no passo do que ela adivinha por baixo desta bermuda estampada, um caralho bem red, gostoso como a rebolada pra escrever morango em inglês, de pé, na lousa. Quer que desenhe, tia? E todo mundo rindo com ela vermelha, raiva de mim, tesão de mim. Ora, tia, uma fruta tão simples, nunca viu madura assim? E se encostando levinho na perna dela, só pra sentir a macieza duma tela em branco, e ela, a dureza duma vida de verdade, com cheiro de Tietê, de Marginal atravessada a pé pela Ponte do Limão, pra chegar naquele prédio com símbolo verde com meu lápis vermelho só, e pureza de grafite por dentro. Cumpria passar vergonha de escrever “s/ número” no endereço e a palavra saía com duas línguas sibilando como lagarto. E “profissão” saía com cedilha, encolhida de constrangimento. Falta o Inglês... Será mesmo que falta? E se der um bico nesta porra e fizer barulho entre as pranchas, esparramando tecnologias pelas baias dos colegas: - “Eu faço isso aqui de olho fechado e faço melhor que todos vocês. Ok? Então não vai ter Inglês pra inglês ver, certo?”, e voltava aqui só pra comer a “tia” sibilosa... Desprendido do meu lapão vermelho-red, sujo de tanta imaginação, eu lá do outro lado da Marginal vendo a minha infância chorando de desamparo. Foda-se a infância, vou chorar alto; vou chamar pro pau! You liked these, don’t you, belo rabo?
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Me? Se me virem fazendo barulho é que deu briga. Tenho pouco tempo pra estar nas coisas que não prezo muito. Só queria meu lápis vermelho, por fora, que por dentro tem meu traço da infância. Pencil, pensei – o veneno dele vinha do grafite e eu deixei perder tudo numa aulinha, num lanchinho do curso de inglês. Vim buscar o meu costume de sempre, só. E topo com esse turbilhão na idéia. Não entendo a filosofia dessas pessoas, querendo sempre o mesmo feijão, de tempero igual. O jeito de fazer o tempero muda sempre, mas não comem o jeito, mandam o mesmo requentado goela adentro para ficarem parecidos com eles mesmos. Quase derrapo nesse erro. O lápis trazia meu traço de infância. Procurei até ficar nervoso e vir aqui, e, aqui, entendo que outro lápis pode dar em outro jeito de infância, que esta não muda nunca. Um distanciamento, uma maturidade sobre as mesmas paisagens; fiz meu trabalho, ficou bom sim, mas quero meu vermelhinho, meu talismã. Estou desprendido dele agora e ele ficará à vista, num pote grande, de grandes pincéis inúteis. E como a infância não desgruda de mim, essa barulheira toda é para marcar uma mudança de tela, para jogar umas cores nessas caras de azulejo.Precisava mesmo metralhar pigmentos, questions-tags se quiserem, contra essa idéia de comer requentado, de temer temperos desconfortáveis, têmperas de um deslizar incômodo. Por exemplo, essas ilustrações que eu compro nas apostilas e que ficam agredindo meu senso de alguma coisa verdadeira, de cara limpa... Pois chega dessa merda, eu não aprendo com essa merda e a cara de vocês me causa pena de mim mesmo. Se respeito quando ficam ridículos atrás de um chupa-cabras, de um blutufe encharcado de material que nem é seus, ilustrado por um idiota de avental, então por que dar risada de quem procura seu lápis sossegado? Filhos da puta, robozinhos de merda, don’t you? Quero a porra do meu vermelhinho porque inventava coisas com ele, ora. E os caras me zoando: - “Is the pencil red? Are you shure?” – o caralho é red, o lápis é cinza 0,7, ignorantes. E vai voar apostila e notebook nessa espelunca se meu lápis não aparecer!
Se quero um copo d’água, quero sim, mas pra jogar na tua cara e ver borrar esse olho de peixe morto, tia. Tia... ridículo eu aqui, cumprindo as vontades de uma menina bobona, eu repetente, sempre. Repeti o terceiro ano três vezes, três vezes três, nove e noves fora, zero. Zero de recurso, zero de Geografia, zero na carteira pra conta da luz. Já estudou matemática com vela? Dependendo da posição dela, dependendo do vento, uma equação vira um animalzinho esperto, os olhinhos vivos, procurando umas figuras, mais amiguinhos. Eu só ficava aceso assim, imaginando, temperando minha tristeza de ser deslocado, com as figuras que já estavam inventadas, mas uma luminária vermelha como a do Robson não mostrava. “Vira ela assim, torce pra lá, olha agora... Deu pra ver?”. Não, não estava vendo nada e a mãe dele achando que aquela luz era sacanagem sexual, idéia minha – só podia dar nisso, estudar com moleque mais velho, dispersivo: -“Repete de ano e fica bulindo com meu filho, retardado!”. Hoje penso no tanto de sombra naquela cabeça de mãe novinha, que parava em casa e trazia lanchinho, os peitinhos loiros aparecendo na camiseta moderna.
Essa espelunca tem cheiro de lanchinho, de achocolatado. Se a Geografia ficou me atrasando a vida, as equações viraram personagens, lagartos com língua bifurcada, dinossauros. E o Inglês da tia não é pra mim, é pra cumprir minha palavra na editora. Acho que a “tia” se enjoou desse cheiro e fica no passo do que ela adivinha por baixo desta bermuda estampada, um caralho bem red, gostoso como a rebolada pra escrever morango em inglês, de pé, na lousa. Quer que desenhe, tia? E todo mundo rindo com ela vermelha, raiva de mim, tesão de mim. Ora, tia, uma fruta tão simples, nunca viu madura assim? E se encostando levinho na perna dela, só pra sentir a macieza duma tela em branco, e ela, a dureza duma vida de verdade, com cheiro de Tietê, de Marginal atravessada a pé pela Ponte do Limão, pra chegar naquele prédio com símbolo verde com meu lápis vermelho só, e pureza de grafite por dentro. Cumpria passar vergonha de escrever “s/ número” no endereço e a palavra saía com duas línguas sibilando como lagarto. E “profissão” saía com cedilha, encolhida de constrangimento. Falta o Inglês... Será mesmo que falta? E se der um bico nesta porra e fizer barulho entre as pranchas, esparramando tecnologias pelas baias dos colegas: - “Eu faço isso aqui de olho fechado e faço melhor que todos vocês. Ok? Então não vai ter Inglês pra inglês ver, certo?”, e voltava aqui só pra comer a “tia” sibilosa... Desprendido do meu lapão vermelho-red, sujo de tanta imaginação, eu lá do outro lado da Marginal vendo a minha infância chorando de desamparo. Foda-se a infância, vou chorar alto; vou chamar pro pau! You liked these, don’t you, belo rabo?
20.10.09
18.10.09
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"FESTINA LENTE- Lu Contu by Blogue literário is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
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9.10.09
"O Preto" -Conto sci-fi inédito para o PORTAL FUNDAÇÃO
“O Preto”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Sim, evito mesmo contar o que se passou com aquele humano que, por causa da Síndrome do Infravermelho, ficou conhecido como “o Preto”. Trago ainda nítidas as sensações de horror que me provocaram os detalhes horripilantes da história de suas últimas horas de vida na Terra. Alguns inclusive registrados, em seus detalhes escabrosos, pelo dispositivo sensório que portava como condição para prestar serviços naqueles antigos complexos de escambo de mescadorias-refugo, de resíduos arcaicos da tecnologia da época da convergência de meios digitais.E nada tinha que ver com a pigmentação da pele, da produção de melanina dele, mas com o GPS; não aquelas engenhocas também antigas de localização, e sim com a sigla que remetia a fenômenos relacionados ao Gradiente de Pressão Social , se é que se recorda dessas tentativas ingênuas de compreender-se a velha desigualdade social. O Preto habitava regiões esquecidas pelas reformas mais comezinhas, falava num dialeto alheio à linguagem universal e deslocava-se até o Complexo Sigma por infectos veículos de superfície, sujeito à chuva ácida e às aberrações climáticas de então. Consta que agia como um desafiador dos protocolos vigentes e era dono de uma coragem quase proverbial.
Assim foi que não se intimidou com a valentia robótica de seu parceiro de bancada naquele Box-37/anexo - 15, o tal que fazia fundo com toda a tubulação e a capilaridade da planta baixa do complexo, onde agonizou em cenas que fundiram a escatologia do drama pessoal dele, com o escoamento dos dejetos todos, mais a amônia que vazava, fora de controle.Às vezes viajo no tempo e imagino que ele tenha sido um emblema extemporâneo do tipo de estigma racista ancestral dos tempos em que nos restava alguma fatia da camada de ozônio; delírio de pesquisador melancólico. É que essa história, além de repugnância e náusea, causa-me tristeza, também extemporânea.
O Preto ficou para mim como o signo de uma resistência ao que me estremece pelo obscurantismo, ao que me assusta pela dilatação da experiência diante do insólito, da coisa cotidiana que se transforma num pesadelo, numa monstruosa combinação de infortúnios. A luta visceral dele resultou na crueza da exposição de suas próprias vísceras aos olhos e às narinas de uma escória mercantilista, robotizada, oriunda da imundície atolada nas práticas mais abjetas. Não por acaso ele retorna sempre à fantasmagoria desses submundos, como massa disforme de sangue pisado ou como um guerreiro nobre, em estado eterno de putrefação. Pois ele, conta-se, não se intimidou nem com o GPS que o desfavorecia de forma truculenta, muito menos com as ameaças de agressão de seu parceiro de Box, no Sigma. Enfrentava o primeiro perseverando no incômodo com certo cinismo, até. O outro, ele enlouqueceu de pavor, com a renitência da presença insuspeita de seu próprio cadáver insepulto por dias intermináveis de angústia, suspense e coexistência com a sensorialidade do repugnante, do asqueroso.
O martírio dele foi uma vingança requintada, ele era durão, você pode pensar; não foi bem assim. A princípio ele era maleável, dócil até, quando o parceiro explicava-lhe as regras tácitas que regiam as transações no local, advertindo-o que ele até poderia atingir alguma cota nas operações, desde que não atravessasse o limite. Que limite?
Ele próprio não sabia, nunca saberia. As transações já chegavam pré-agenciadas e o local físico servia apenas para inspeção visual e tátil da mercadoria. Isso mudava o rumo da negociação, às vezes. Aí entrava o carisma do Preto, que falava baixinho, macio, quase que integrando sua corporeidade às muambas, dando-lhes significação adicional, vida própria. Uma prática milenar, aperfeiçoada pela cultura oral; comum aos sobreviventes que chegavam a mimetizar a geografia mais áspera e a ambiência mais hostil conferindo-lhes alguma simpatia, infundindo-lhes algo de mágico. A sossegada magia dos distraídos, daqueles que vivem de domar o susto de viver rente à vida, ao vão das coisas. O Preto não se sabia assim. Sabia que não era daquela estirpe e que morava longe. Também sabia que não tinha medo de trombar com a vida. Não teria medo de ameaças torpes, insinuadas. Vivia sob pressão – mão estendida para o afago, punho cerrado para o soco – continuava a viver, continuava sempre. Continuou ouvindo que, continuando assim, catapultavam-lhe para outro satélite, para mais longe. Ouviu pela tarde toda que morreria de porrada, que lhe quebrariam os ossos e lhe vazariam os olhos. Quando sorria de medo vago, o parceiro gozava ao contar-lhe como o faria mastigar os próprios dentes, depois que lhe extirpasse os testículos em tração lenta e meticulosa. Então desviava o rosto pro longe e o parceiro mirava a sua jugular e lhe falava de sangue espirrando lentamente e regando seus úmeros retorcidos, como um chafariz. O parceiro era mestre em luta com seres intergalácticos e gostava de anatomia.
Havia algum daqueles recorrentes descontroles horários e o poente demorava a chegar. Os demais agentes foram deixando o Box -37 e os dois ficaram insuportavelmente silentes; um respirava pelo diafragma, o outro, pelo nariz até que o sentisse fraturado num golpe seco. Penso que, neste momento, o sensor acusou alteração no batimento cardíaco do Preto. O que se seguiu é indescritível no que tange aos sons que um humano pode emitir em circunstâncias de dor apenas imaginadas. A pressão arterial despencou e uma música eletrônica pulsante mal abafava estrondos impressionantes. Seguidas fraturas de galho seco, atestou um perito, pela escuta. O corpo parecia arremessado seguidamente contra parede há uns três metros, com uma fúria incontrolável, mecânica. Então, rangido de escada em caracol, pesado e, apenas dois dias depois, pelo vão da escada, alguém notou a massa amorfa, a bola de sangue pisado pelo vão da escada. Mesmo com as perfurações, os olhos pareciam esgazeados.
Sim, a Segurança recebera uma denúncia anônima dois dias antes, um gradil da área externa comum aos boxes fora arrombado. Mas não havia testemunhas. Não consta que o agressor tenha acessado os bastidores do Box nesses dois dias. Nada consta quanto aos operadores da Segurança do Sigma que desapareceram desde então. Nenhum filete de expressão na face estertorada de quem descobriu a bola humana em que se transformou o Preto. Tal como o parceiro, que, por dois dias, manteve-se sentado diante de seu monitor, catatônico como sempre, quem viu o Preto nunca mais viu mais nada.
Inverossímil, porém, é a forma como descreveram seu desaparecimento, dois dias depois, num outro poente irregular – dirigiu-se à área externa e ricocheteou desbussolado como uma bexiga de gás até sumir da vista. Estranho isso...
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Sim, evito mesmo contar o que se passou com aquele humano que, por causa da Síndrome do Infravermelho, ficou conhecido como “o Preto”. Trago ainda nítidas as sensações de horror que me provocaram os detalhes horripilantes da história de suas últimas horas de vida na Terra. Alguns inclusive registrados, em seus detalhes escabrosos, pelo dispositivo sensório que portava como condição para prestar serviços naqueles antigos complexos de escambo de mescadorias-refugo, de resíduos arcaicos da tecnologia da época da convergência de meios digitais.E nada tinha que ver com a pigmentação da pele, da produção de melanina dele, mas com o GPS; não aquelas engenhocas também antigas de localização, e sim com a sigla que remetia a fenômenos relacionados ao Gradiente de Pressão Social , se é que se recorda dessas tentativas ingênuas de compreender-se a velha desigualdade social. O Preto habitava regiões esquecidas pelas reformas mais comezinhas, falava num dialeto alheio à linguagem universal e deslocava-se até o Complexo Sigma por infectos veículos de superfície, sujeito à chuva ácida e às aberrações climáticas de então. Consta que agia como um desafiador dos protocolos vigentes e era dono de uma coragem quase proverbial.
Assim foi que não se intimidou com a valentia robótica de seu parceiro de bancada naquele Box-37/anexo - 15, o tal que fazia fundo com toda a tubulação e a capilaridade da planta baixa do complexo, onde agonizou em cenas que fundiram a escatologia do drama pessoal dele, com o escoamento dos dejetos todos, mais a amônia que vazava, fora de controle.Às vezes viajo no tempo e imagino que ele tenha sido um emblema extemporâneo do tipo de estigma racista ancestral dos tempos em que nos restava alguma fatia da camada de ozônio; delírio de pesquisador melancólico. É que essa história, além de repugnância e náusea, causa-me tristeza, também extemporânea.
O Preto ficou para mim como o signo de uma resistência ao que me estremece pelo obscurantismo, ao que me assusta pela dilatação da experiência diante do insólito, da coisa cotidiana que se transforma num pesadelo, numa monstruosa combinação de infortúnios. A luta visceral dele resultou na crueza da exposição de suas próprias vísceras aos olhos e às narinas de uma escória mercantilista, robotizada, oriunda da imundície atolada nas práticas mais abjetas. Não por acaso ele retorna sempre à fantasmagoria desses submundos, como massa disforme de sangue pisado ou como um guerreiro nobre, em estado eterno de putrefação. Pois ele, conta-se, não se intimidou nem com o GPS que o desfavorecia de forma truculenta, muito menos com as ameaças de agressão de seu parceiro de Box, no Sigma. Enfrentava o primeiro perseverando no incômodo com certo cinismo, até. O outro, ele enlouqueceu de pavor, com a renitência da presença insuspeita de seu próprio cadáver insepulto por dias intermináveis de angústia, suspense e coexistência com a sensorialidade do repugnante, do asqueroso.
O martírio dele foi uma vingança requintada, ele era durão, você pode pensar; não foi bem assim. A princípio ele era maleável, dócil até, quando o parceiro explicava-lhe as regras tácitas que regiam as transações no local, advertindo-o que ele até poderia atingir alguma cota nas operações, desde que não atravessasse o limite. Que limite?
Ele próprio não sabia, nunca saberia. As transações já chegavam pré-agenciadas e o local físico servia apenas para inspeção visual e tátil da mercadoria. Isso mudava o rumo da negociação, às vezes. Aí entrava o carisma do Preto, que falava baixinho, macio, quase que integrando sua corporeidade às muambas, dando-lhes significação adicional, vida própria. Uma prática milenar, aperfeiçoada pela cultura oral; comum aos sobreviventes que chegavam a mimetizar a geografia mais áspera e a ambiência mais hostil conferindo-lhes alguma simpatia, infundindo-lhes algo de mágico. A sossegada magia dos distraídos, daqueles que vivem de domar o susto de viver rente à vida, ao vão das coisas. O Preto não se sabia assim. Sabia que não era daquela estirpe e que morava longe. Também sabia que não tinha medo de trombar com a vida. Não teria medo de ameaças torpes, insinuadas. Vivia sob pressão – mão estendida para o afago, punho cerrado para o soco – continuava a viver, continuava sempre. Continuou ouvindo que, continuando assim, catapultavam-lhe para outro satélite, para mais longe. Ouviu pela tarde toda que morreria de porrada, que lhe quebrariam os ossos e lhe vazariam os olhos. Quando sorria de medo vago, o parceiro gozava ao contar-lhe como o faria mastigar os próprios dentes, depois que lhe extirpasse os testículos em tração lenta e meticulosa. Então desviava o rosto pro longe e o parceiro mirava a sua jugular e lhe falava de sangue espirrando lentamente e regando seus úmeros retorcidos, como um chafariz. O parceiro era mestre em luta com seres intergalácticos e gostava de anatomia.
Havia algum daqueles recorrentes descontroles horários e o poente demorava a chegar. Os demais agentes foram deixando o Box -37 e os dois ficaram insuportavelmente silentes; um respirava pelo diafragma, o outro, pelo nariz até que o sentisse fraturado num golpe seco. Penso que, neste momento, o sensor acusou alteração no batimento cardíaco do Preto. O que se seguiu é indescritível no que tange aos sons que um humano pode emitir em circunstâncias de dor apenas imaginadas. A pressão arterial despencou e uma música eletrônica pulsante mal abafava estrondos impressionantes. Seguidas fraturas de galho seco, atestou um perito, pela escuta. O corpo parecia arremessado seguidamente contra parede há uns três metros, com uma fúria incontrolável, mecânica. Então, rangido de escada em caracol, pesado e, apenas dois dias depois, pelo vão da escada, alguém notou a massa amorfa, a bola de sangue pisado pelo vão da escada. Mesmo com as perfurações, os olhos pareciam esgazeados.
Sim, a Segurança recebera uma denúncia anônima dois dias antes, um gradil da área externa comum aos boxes fora arrombado. Mas não havia testemunhas. Não consta que o agressor tenha acessado os bastidores do Box nesses dois dias. Nada consta quanto aos operadores da Segurança do Sigma que desapareceram desde então. Nenhum filete de expressão na face estertorada de quem descobriu a bola humana em que se transformou o Preto. Tal como o parceiro, que, por dois dias, manteve-se sentado diante de seu monitor, catatônico como sempre, quem viu o Preto nunca mais viu mais nada.
Inverossímil, porém, é a forma como descreveram seu desaparecimento, dois dias depois, num outro poente irregular – dirigiu-se à área externa e ricocheteou desbussolado como uma bexiga de gás até sumir da vista. Estranho isso...
16.9.09
"DESLOCALIDADE"- uma distopia saída do forno
“Deslocalidade”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Todos nós aqui, que escolhemos ficar por aqui, conhecemos este litoral por “localidade”; um consenso, uma forma simbólica de garantirmos certa sobrevida junto ao inóspito. Meio abstrato enquanto referência territorial, seus contornos são dados pela imaginação, mais que pelas balizas naturais ou pelo próprio pedaço de oceano ali em volta. Alguns dizem “ah, aquela localidade...”, e isso apenas contribui para adensar a aura cartográfica daquele recorte, ardilosamente próximo dos perigos do mar. Falaram também no risco radioativo, no geológico, mas temem mesmo, garanto, é a fantasmagoria sobre aleijões que aparecem de repente, aqui ou ali, sobreviventes genéticos, assustadores de incautos. Sobre estes seres, necessário for, contarei depois.
Não sou um nativo e, mesmo assim, quase todas as lideranças, acanhadas ou hostis, respeitam minha presença e meu jeito de viver. Estou sempre distraído, perambulando e cantarolando num tom quase inaudível, porém ritmado e resoluto. Meu semblante não interroga, não interfere. E sabem que não ando a esmo. Sabem que tenho meu lugar na localidade, apesar de ser um nômade e um sobrevivente, como eles todos. Cultivei também uma aura em torno do meu deslocamento incessante. E a temem, assim como temem qualquer inseto, qualquer planta que exale determinação de viver. Se minha andança ritmada tem um propósito, não é maior que o de permanecer vivendo. Meu tarefário não se sobrepõe ao de qualquer outro ser, aberrante ou não.Não me compadeço nem me enojo. Principalmente, não me entrego ao tédio. Isto os assusta.
Pois bem, matei um ser. Ou uma experiência abortada e tornada monstro que saltou sobre mim nas escarpas onde busco provisões, pois, do oceano, só espero catástrofes. Matar um coiso por aqui, lancetar um pós-humano de linhagem não seriada, equivale a retirar um espinho cravado entre as costelas. O seguir adiante alivia a dor, o tédio; nunca pesa, como se dizia um dia – moralmente. Desta vez, nas escarpas, foi diferente, algo de substância moral anda assombrando-me, tortuoso como o desenho labiríntico das encostas. Caminho mais pesado desde então, contorno algumas aldeias e, não raro, me pego confuso, despistando minhas próprias pegadas. Do mais prazer que obtinha quando, acolhido nalgum desvão, contava sobre refluxo das marés e, solicitado a decifrar códigos entre virilhas de fêmeas jovens, ejaculava como menino, hoje - medo.
Aquela localidade codificara um padrão tácito de moral e, nele, apoiava-se um padrão de convivência, obscuro, porém regular. Observava tais padrões, e até os animais peçonhentos, até os coisos, ao modo deles, respeitavam meu deslocamento nômade, noticioso de presságios do oceano, alentador pelo cantarolar truncado e tão pulsante. Acima de tudo, respeitavam-me pelos meus registros – o álibi das minhas interações. Eu lhes infundia alguma pureza pelo rigor dos relatos, pela magia da sonoridade que hes espantava o tédio. Pisava com firmeza por causa desse respeito; hoje, por causa do espectro que matei pelo caminho, ando esquadrinhando o espaço com tentáculos lentos e o meu rigor narrativo tem migrando para cuidados obsessivos, quase hipocondríacos. Meus dispositivos de registro, a cada pouco, mais reticentes, lacunares.
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Todos nós aqui, que escolhemos ficar por aqui, conhecemos este litoral por “localidade”; um consenso, uma forma simbólica de garantirmos certa sobrevida junto ao inóspito. Meio abstrato enquanto referência territorial, seus contornos são dados pela imaginação, mais que pelas balizas naturais ou pelo próprio pedaço de oceano ali em volta. Alguns dizem “ah, aquela localidade...”, e isso apenas contribui para adensar a aura cartográfica daquele recorte, ardilosamente próximo dos perigos do mar. Falaram também no risco radioativo, no geológico, mas temem mesmo, garanto, é a fantasmagoria sobre aleijões que aparecem de repente, aqui ou ali, sobreviventes genéticos, assustadores de incautos. Sobre estes seres, necessário for, contarei depois.
Não sou um nativo e, mesmo assim, quase todas as lideranças, acanhadas ou hostis, respeitam minha presença e meu jeito de viver. Estou sempre distraído, perambulando e cantarolando num tom quase inaudível, porém ritmado e resoluto. Meu semblante não interroga, não interfere. E sabem que não ando a esmo. Sabem que tenho meu lugar na localidade, apesar de ser um nômade e um sobrevivente, como eles todos. Cultivei também uma aura em torno do meu deslocamento incessante. E a temem, assim como temem qualquer inseto, qualquer planta que exale determinação de viver. Se minha andança ritmada tem um propósito, não é maior que o de permanecer vivendo. Meu tarefário não se sobrepõe ao de qualquer outro ser, aberrante ou não.Não me compadeço nem me enojo. Principalmente, não me entrego ao tédio. Isto os assusta.
Pois bem, matei um ser. Ou uma experiência abortada e tornada monstro que saltou sobre mim nas escarpas onde busco provisões, pois, do oceano, só espero catástrofes. Matar um coiso por aqui, lancetar um pós-humano de linhagem não seriada, equivale a retirar um espinho cravado entre as costelas. O seguir adiante alivia a dor, o tédio; nunca pesa, como se dizia um dia – moralmente. Desta vez, nas escarpas, foi diferente, algo de substância moral anda assombrando-me, tortuoso como o desenho labiríntico das encostas. Caminho mais pesado desde então, contorno algumas aldeias e, não raro, me pego confuso, despistando minhas próprias pegadas. Do mais prazer que obtinha quando, acolhido nalgum desvão, contava sobre refluxo das marés e, solicitado a decifrar códigos entre virilhas de fêmeas jovens, ejaculava como menino, hoje - medo.
Aquela localidade codificara um padrão tácito de moral e, nele, apoiava-se um padrão de convivência, obscuro, porém regular. Observava tais padrões, e até os animais peçonhentos, até os coisos, ao modo deles, respeitavam meu deslocamento nômade, noticioso de presságios do oceano, alentador pelo cantarolar truncado e tão pulsante. Acima de tudo, respeitavam-me pelos meus registros – o álibi das minhas interações. Eu lhes infundia alguma pureza pelo rigor dos relatos, pela magia da sonoridade que hes espantava o tédio. Pisava com firmeza por causa desse respeito; hoje, por causa do espectro que matei pelo caminho, ando esquadrinhando o espaço com tentáculos lentos e o meu rigor narrativo tem migrando para cuidados obsessivos, quase hipocondríacos. Meus dispositivos de registro, a cada pouco, mais reticentes, lacunares.
3.9.09
Duelo a quem duelo_micronarrativas
9. “Estética da Desfaçatez”
Presidente, outrora empichado, chafurda, senador, no chafariz niemayeriano - sobe-e-desce coerência...
{ Explico: O escritor e exímio microcontista Marcelino Freire está publicando um microconto por dia no Twitter. Equidistante e equivalente, proponho-me à cotejar tal produção, com meus micros de dez palavras, numa proporção de 10/01; ou seja, a cada dez dele, um meu. Ele está no Trigésimo; este é meu nono. Melhor de tudo - duvido que ele saiba da quixotesca empreitada. Ele pretende chegar ao milézimo. E "Eu não sou Pelé nem nada".
Presidente, outrora empichado, chafurda, senador, no chafariz niemayeriano - sobe-e-desce coerência...
{ Explico: O escritor e exímio microcontista Marcelino Freire está publicando um microconto por dia no Twitter. Equidistante e equivalente, proponho-me à cotejar tal produção, com meus micros de dez palavras, numa proporção de 10/01; ou seja, a cada dez dele, um meu. Ele está no Trigésimo; este é meu nono. Melhor de tudo - duvido que ele saiba da quixotesca empreitada. Ele pretende chegar ao milézimo. E "Eu não sou Pelé nem nada".
26.8.09
Tavares solta o "verbo"_Sci-fi & e Literatura
A questão do embricamento entre estória e linguagem, no depoimento contundente de uma referência no gênero. Eis meu contributo à mesa redonda que marcou o lançamento da Stalker no Espaço Cultural Terracota, em São Paulo, dia 21 pp. Ilustra com propriedade a questiúncula forma-conteúdo aludida por um crítico equivocado que andou vociferando contra a dificuldade de entendimento dos meus contos e esculhambando sumariamente os dos demais colegas escritores:
24.8.09
Poema "engajado"
“Pneumotórax”
Acetábulo displásico:
Fêmures dardejando
Bacia pouco acolhedora;
Nem um tango argentino,
Tampouco um cigarrinho amigo
Oferecido na trincheira.
‘Meu pai também tinha?’
Acetábulo displásico:
Fêmures dardejando
Bacia pouco acolhedora;
Nem um tango argentino,
Tampouco um cigarrinho amigo
Oferecido na trincheira.
‘Meu pai também tinha?’
19.8.09
"Wharia Avariada"-Conto I da Stalker
“Wharia Avariada”
I
Sempre nos advertia que seu relato não seria nada amigável, mas nada aborrecido, replicávamos. Pegamos nossos rotores e deslizamos em direção ao solário onde, com tamanha transparência e nitidez jamais seríamos notados. Despiu-se.
-“Muito bem, por quê está aqui?”
-“Porque me forçaram.”
-“Sem ironias, isso não é um inquérito. Se cooperar, Task e eu seremos breves. O relatório do Softcare mostra avarias crânio-faciais. Internação voluntária.”
A campânula, toda blindada, reverberou um gemido gutural assustador, depois, silêncio. Tive um pico de pressão e Task crispou seus dedos trêmulos no cabo.
-“Relaxa, rato branco, eu nem comecei, eu nem comecei ainda.” Ria-se.
-“Wharia, podemos interromper e induzi-la à parada crítica. Seu rosto...
-“Meu nome é M’sharia, inpostor, sou paquistanesa de trinta gerações!”
-“Que substância lançaram no rosto, por quê lesaram seu rosto?
- “Porque eu toquei o vergalhão dele com gosto, e ele gostou, ruiu!Ruiu!
Task sussurrou algo, levantou-se e ela o imobilizou com o cabo.Gelei.
-“Agora vou contar tudo, enquanto o rato escuta com todo gosto, não?”
-“Muito bem, não acionei os sensores. Quero escutar sua história, tudo.”
II
Passados uns quatro ciclos, não mais às voltas com pesquisa no Departamento de Cyberantropologia, reenconto Wharia numa das alas do próprio Softcare. Acenou para mim com alguma leveza até, aproximou-se: -“Trabalho aqui, que ironia, não? Sub-coordenadora do grupo de Sexualidade e Robótica de Terceira Geração, cadê seu rato branco?”. Repliquei que fora desativado e se a robótica que estudava não seria a de trigésima geração. Andei catalogando arquivos criptografados sobre o trabalho de um tal Bateson, G. Face à provocação (chequei a suposta origem proto-paquistanesa dela; procedente...) a reação foi inusitada – deu de ombros. Como não me fez advertências desagradáveis, caminhamos juntos pela ala norte e conversamos sobre interface, etc., o que não foi nada aborrecido: “- Como anda a libido dos seus ciborgues?” “-Libidinosa, como a sua, talvez mais matizada”. –“Com as matrizes tão pouco oxidadas que aplicam neles...” – “Está equivocado, muito equivocado, eles referem desejo. Expandimos a memória original. E isso é confidencial, libidinosamente... confidencial, compreende?” Sorriu-me, pela primeira vez. Dei de ombros e ela replicou, ácida: “- Mas que gestuária mais pós-humana, não? Que tal uma bebida gelada? Relaxa, não vai oxidar suas matrizes retrógradas...”. Aceitei, é claro, e mergulhei, gelado, naquele inusitado virtual.
III
“-Achei curioso perguntar do Task, recordar-se dele...”
“-Ele ficou bem assustado com a minha cena, não?”
“-Talvez viajasse nos contornos de suas belas próteses, excitado, talvez.”
“-Mas que conversa solta para um cético, um desplugado, não?”
“Ora, o solário, o meio líquido do cabo. Desejo e medo, você sabe, não?”
“Não me subestime, impostor. Sei que essas cargas não se anulam, daí...”
“Daí você quer conferir, empiricamente, bem solta. Sorriso e prudência!”
“Equivocado, de novo. Já fiz isso, faria de novo. Excitado, impostor?”
“Há algo de memória num vergalhão? Se houver, suponho que haja m...”
Senti ventosas abruptas deslocando-me no espaço, vertigem e dor. Reagi com golpes marciais e ativei as câmeras próximas. Mais um equívoco – Wharia tomou-me se assalto no centro exato de um escotoma – opacidade total, coreografada. Amor..., amortecido pelas fisgadas lancinantes de fratura exposta somada ao odor vaporizado – a
substância gasosa -, ei-la, agindo em meu rosto como agiu no molestador de Wharia...
“-M’sharia, este é o meu nome pós-humano, impostor! E eis seu desejo!”
“-Por quê estou aqui, e não me forçaram? “Pela memória”, replicou-me...
I
Sempre nos advertia que seu relato não seria nada amigável, mas nada aborrecido, replicávamos. Pegamos nossos rotores e deslizamos em direção ao solário onde, com tamanha transparência e nitidez jamais seríamos notados. Despiu-se.
-“Muito bem, por quê está aqui?”
-“Porque me forçaram.”
-“Sem ironias, isso não é um inquérito. Se cooperar, Task e eu seremos breves. O relatório do Softcare mostra avarias crânio-faciais. Internação voluntária.”
A campânula, toda blindada, reverberou um gemido gutural assustador, depois, silêncio. Tive um pico de pressão e Task crispou seus dedos trêmulos no cabo.
-“Relaxa, rato branco, eu nem comecei, eu nem comecei ainda.” Ria-se.
-“Wharia, podemos interromper e induzi-la à parada crítica. Seu rosto...
-“Meu nome é M’sharia, inpostor, sou paquistanesa de trinta gerações!”
-“Que substância lançaram no rosto, por quê lesaram seu rosto?
- “Porque eu toquei o vergalhão dele com gosto, e ele gostou, ruiu!Ruiu!
Task sussurrou algo, levantou-se e ela o imobilizou com o cabo.Gelei.
-“Agora vou contar tudo, enquanto o rato escuta com todo gosto, não?”
-“Muito bem, não acionei os sensores. Quero escutar sua história, tudo.”
II
Passados uns quatro ciclos, não mais às voltas com pesquisa no Departamento de Cyberantropologia, reenconto Wharia numa das alas do próprio Softcare. Acenou para mim com alguma leveza até, aproximou-se: -“Trabalho aqui, que ironia, não? Sub-coordenadora do grupo de Sexualidade e Robótica de Terceira Geração, cadê seu rato branco?”. Repliquei que fora desativado e se a robótica que estudava não seria a de trigésima geração. Andei catalogando arquivos criptografados sobre o trabalho de um tal Bateson, G. Face à provocação (chequei a suposta origem proto-paquistanesa dela; procedente...) a reação foi inusitada – deu de ombros. Como não me fez advertências desagradáveis, caminhamos juntos pela ala norte e conversamos sobre interface, etc., o que não foi nada aborrecido: “- Como anda a libido dos seus ciborgues?” “-Libidinosa, como a sua, talvez mais matizada”. –“Com as matrizes tão pouco oxidadas que aplicam neles...” – “Está equivocado, muito equivocado, eles referem desejo. Expandimos a memória original. E isso é confidencial, libidinosamente... confidencial, compreende?” Sorriu-me, pela primeira vez. Dei de ombros e ela replicou, ácida: “- Mas que gestuária mais pós-humana, não? Que tal uma bebida gelada? Relaxa, não vai oxidar suas matrizes retrógradas...”. Aceitei, é claro, e mergulhei, gelado, naquele inusitado virtual.
III
“-Achei curioso perguntar do Task, recordar-se dele...”
“-Ele ficou bem assustado com a minha cena, não?”
“-Talvez viajasse nos contornos de suas belas próteses, excitado, talvez.”
“-Mas que conversa solta para um cético, um desplugado, não?”
“Ora, o solário, o meio líquido do cabo. Desejo e medo, você sabe, não?”
“Não me subestime, impostor. Sei que essas cargas não se anulam, daí...”
“Daí você quer conferir, empiricamente, bem solta. Sorriso e prudência!”
“Equivocado, de novo. Já fiz isso, faria de novo. Excitado, impostor?”
“Há algo de memória num vergalhão? Se houver, suponho que haja m...”
Senti ventosas abruptas deslocando-me no espaço, vertigem e dor. Reagi com golpes marciais e ativei as câmeras próximas. Mais um equívoco – Wharia tomou-me se assalto no centro exato de um escotoma – opacidade total, coreografada. Amor..., amortecido pelas fisgadas lancinantes de fratura exposta somada ao odor vaporizado – a
substância gasosa -, ei-la, agindo em meu rosto como agiu no molestador de Wharia...
“-M’sharia, este é o meu nome pós-humano, impostor! E eis seu desejo!”
“-Por quê estou aqui, e não me forçaram? “Pela memória”, replicou-me...
17.8.09
Começam asurgir comentários: Tibor Moritz no somaisumblog
gosto do que o Causo escreve. Dessa vez não foi muito diferente, embora tenha reclamações com relação a este conto. Algumas coisas ficaram sem explicação e muitos eventos pareciam ocorrer simplesmente porque tinham que ocorrer. Senti falta de emoção, não fui fisgado, não me provocou ansiedade pelo final.
Conto 3 – Ontem ferido (Maria Helena Bandeira)
Um conto belo, mas escrito para não ser entendido.
Conto 4 – Alguém que fui (Maria Helena Bandeira)
Idem anterior. Até pensei que tivesse alguma ligação, sei lá.
Conto 5, 6 e 7 – Kripton, Os quereres e Buraco no céu (Brontops)
Até agora os melhores contos dessa coletânea. Muito bem escritos e com miolo. Meus parabéns ao autor cuja alcunha me lembra o período jurássico ou remédio para os brônquios.
Conto 8 – Wharia avariada (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Incompreensível.
Conto 9 – Nonsensal (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Nonsensal é um título bastante adequado a um conto que nos brinda com absoluto nonsense. Me pergunto o que o autor tem na cabeça quando escreve coisas sem nenhuma compreensão possível (pelo menos para mim). Para que leitor ele os escreve? Para si mesmo? Na minha opinião, um escritor não é para si, é para os outros.
Conto 10 – Holograma (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Esse conto dele é melhor, embora exagere nos ecos. Ufa…
Parece existir entre alguns autores o afã de produzir obras com “O”, usando para isso (no presente caso) a literatura de gênero (que não exige necessariamente um conteúdo linear, mas que seja ao menos inteligível).
O que acabam conseguindo é um tipo de literatura “loura burra”, que apresenta ótima aparência, mas nenhum conteúdo.
Recentemente tem havido uma salutar discussão iniciada por Nelson de Oliveira e alimentada por Roberto de Sousa Causo, onde se discute a distância entre a literatura mainstream e a de gênero, e como ambas podem interagir.
A literatura mainstream privilegia a forma, enquanto que a de gênero, o conteúdo. Querer escrever a de gênero desprezando o conteúdo vai acabar criando outro subgênero para se unir a tantos outros: a literatura bizarra, ou lobotomizada.
Conto 3 – Ontem ferido (Maria Helena Bandeira)
Um conto belo, mas escrito para não ser entendido.
Conto 4 – Alguém que fui (Maria Helena Bandeira)
Idem anterior. Até pensei que tivesse alguma ligação, sei lá.
Conto 5, 6 e 7 – Kripton, Os quereres e Buraco no céu (Brontops)
Até agora os melhores contos dessa coletânea. Muito bem escritos e com miolo. Meus parabéns ao autor cuja alcunha me lembra o período jurássico ou remédio para os brônquios.
Conto 8 – Wharia avariada (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Incompreensível.
Conto 9 – Nonsensal (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Nonsensal é um título bastante adequado a um conto que nos brinda com absoluto nonsense. Me pergunto o que o autor tem na cabeça quando escreve coisas sem nenhuma compreensão possível (pelo menos para mim). Para que leitor ele os escreve? Para si mesmo? Na minha opinião, um escritor não é para si, é para os outros.
Conto 10 – Holograma (Marco Antônio de Araújo Bueno)
Esse conto dele é melhor, embora exagere nos ecos. Ufa…
Parece existir entre alguns autores o afã de produzir obras com “O”, usando para isso (no presente caso) a literatura de gênero (que não exige necessariamente um conteúdo linear, mas que seja ao menos inteligível).
O que acabam conseguindo é um tipo de literatura “loura burra”, que apresenta ótima aparência, mas nenhum conteúdo.
Recentemente tem havido uma salutar discussão iniciada por Nelson de Oliveira e alimentada por Roberto de Sousa Causo, onde se discute a distância entre a literatura mainstream e a de gênero, e como ambas podem interagir.
A literatura mainstream privilegia a forma, enquanto que a de gênero, o conteúdo. Querer escrever a de gênero desprezando o conteúdo vai acabar criando outro subgênero para se unir a tantos outros: a literatura bizarra, ou lobotomizada.
7.8.09
Cortesia da Portal Stalker-um dos quatro contos meus
Baseado de Assis
Escrevi esse conto para a Stalker, baseado no eixo narrativo de um outro, dos anos 60!Não dos anos sessenta do século passado, é claro;a concepção que norteia o Projeto Portal é plasmada na prospecção, no futuro.Refiro-me ao século retrasado!O título dele - "Segunda Vida" - alude a virtualidades como "Second Life", avatares, errepeges. Futuro. Nem Futuro do Pretérito; Futuro premonitório, no campo da narrativa, da fantasia ficcional. Esculpido a Machado. Machado de Assis.Avancei no tempo para alcançá-lo e cheguei a este, baseado em Assis, o brucho que se defuntava na ficção, e voltava pra contar. O que conto ficou assim:
“Tempo Virtual, Mate Real”
Logo que percebeu como tratavam aquele que o aguardava na recepção disparou a tomar providências. Trataram-no por Senhor e se isso não era um código de segurança, era sinal para acionar dispositivos adicionais de etiqueta, protocolos de natureza diplomática. O Senhor que o aguardava não abriria mão de suas prerrogativas, das armas e brasões que o precediam. Mesmo sabendo da farsa daquele cerimonial.
Apresentou-se cordialmente, sentaram-se. Notou que o Senhor evitava o confronto visual e mantinha certa rigidez nos gestos; que não se apartava de seu caixilho 9.0, atrelado ao pulso, por um cordão metálico incrustado de minúsculos ornamentos verdes. – “Relíquias do auspicioso clã, Senhor? bonita peça!” , gracejou para quebrar a formalidade. Mas o Senhor respondeu que não, que se tratava de material explosivo.
Configurava-se uma situação de risco, agora sim, mas não tinha como apartar-se do ilustre visitante para os expedientes cabíveis; um “com sua licença, volto num instante” soaria como um “vou chamar a segurança”. Enxadristas vibrariam com a perspicácia resoluta daquele mate real já anunciado. A saída exigia compostura e raciocínio antecipatório.Uma varredura seletiva em seu repertório de alternativas afins.
Havia, para ganhar tempo, um recurso muito eficiente quando se tratava de representantes de aristocracias e portadores de mutações genéticas que potencializavam a estima pessoal e a vaidade. –“Esses caixilhos 9.0, Senhor, um grande privilégio prevalecer-se de dispositivos tais que permitam inibir nossos sensores, esses, também de última geração, que detectam roteadores de tempo real. O valor dessa máquina!”.
Afastando as mãos como se contornasse o caixilho, expressão mais relaxada no rosto, Senhor mordeu a isca, não sem antes desferir uma ofensa de natureza institucional: - “Seus sensores têm a vulnerabilidade típica das instâncias censoras, aguçam nosso ímpeto de desafiar, de descobrir as falhas do sistema...” A expressão não era de riso; era um esgar malicioso de quem já conta com os louros. Vitória por mérito...
Cintilava nos olhos de ambos um indelével desejo de astúcia, de reconhecimento meritório de astúcia de um – o Senhor -, que demandava aplausos da platéia entusiasta que julgava ter no outro, e deste outro que exalava um devir de sobrevivência e instigava: -“Em nossas idades-Terra, Senhor, meninos é que somos nessas circunstâncias, ávidos por imaginar proezas dessas engenhocas, ardemos de contentes!”.
Senhor, abrindo o painel do caixilho, exultava: -“E já que explodiremos juntos, mal me contenho em excitar sua imaginação: imagina o recurso que usei para enganar seus sensores”.-“ Não alcanço!”. –“Uma singela máscara de interface na área do relógio.”, e abriu o código fonte, inclinando o corpo para o exato quadrante coberto por uma das câmeras de vigilância. O outro ergueu os braços, solerte; -“Desenvolvedor!”
Ao erguer os braços, porém, a câmera registrou o dedo indicador direito apontando para o alto e o esquerdo para o painel do caixilho que escancarava o hackerismo, agora, detectado e desfeito com recuso tão singelo quanto o concebido pelo desenvolvedor – uma intervenção no relógio do sistema e subsistemas coadjuvantes tornava virtual toda a sequência do tempo transcorrido desde a chegada do Senhor...
Quando, já no final daquela troca de amenidades tecnológicas, algo nefasto apontava para o imponderável da missão do Senhor, este, lacrando seu caixilho, retesou-se e proferiu, solene: -“ Hora do fim, colega!”-“Ora, ora, temos tempo, Senhor, uma câmera flagrou e desabilitou a contagem. Para todos os efeitos, não tivemos este encontro porque o Senhor não entrou aqui. Prefere seu chá com leite, seu avatar gosta?”
Escrevi esse conto para a Stalker, baseado no eixo narrativo de um outro, dos anos 60!Não dos anos sessenta do século passado, é claro;a concepção que norteia o Projeto Portal é plasmada na prospecção, no futuro.Refiro-me ao século retrasado!O título dele - "Segunda Vida" - alude a virtualidades como "Second Life", avatares, errepeges. Futuro. Nem Futuro do Pretérito; Futuro premonitório, no campo da narrativa, da fantasia ficcional. Esculpido a Machado. Machado de Assis.Avancei no tempo para alcançá-lo e cheguei a este, baseado em Assis, o brucho que se defuntava na ficção, e voltava pra contar. O que conto ficou assim:
“Tempo Virtual, Mate Real”
Logo que percebeu como tratavam aquele que o aguardava na recepção disparou a tomar providências. Trataram-no por Senhor e se isso não era um código de segurança, era sinal para acionar dispositivos adicionais de etiqueta, protocolos de natureza diplomática. O Senhor que o aguardava não abriria mão de suas prerrogativas, das armas e brasões que o precediam. Mesmo sabendo da farsa daquele cerimonial.
Apresentou-se cordialmente, sentaram-se. Notou que o Senhor evitava o confronto visual e mantinha certa rigidez nos gestos; que não se apartava de seu caixilho 9.0, atrelado ao pulso, por um cordão metálico incrustado de minúsculos ornamentos verdes. – “Relíquias do auspicioso clã, Senhor? bonita peça!” , gracejou para quebrar a formalidade. Mas o Senhor respondeu que não, que se tratava de material explosivo.
Configurava-se uma situação de risco, agora sim, mas não tinha como apartar-se do ilustre visitante para os expedientes cabíveis; um “com sua licença, volto num instante” soaria como um “vou chamar a segurança”. Enxadristas vibrariam com a perspicácia resoluta daquele mate real já anunciado. A saída exigia compostura e raciocínio antecipatório.Uma varredura seletiva em seu repertório de alternativas afins.
Havia, para ganhar tempo, um recurso muito eficiente quando se tratava de representantes de aristocracias e portadores de mutações genéticas que potencializavam a estima pessoal e a vaidade. –“Esses caixilhos 9.0, Senhor, um grande privilégio prevalecer-se de dispositivos tais que permitam inibir nossos sensores, esses, também de última geração, que detectam roteadores de tempo real. O valor dessa máquina!”.
Afastando as mãos como se contornasse o caixilho, expressão mais relaxada no rosto, Senhor mordeu a isca, não sem antes desferir uma ofensa de natureza institucional: - “Seus sensores têm a vulnerabilidade típica das instâncias censoras, aguçam nosso ímpeto de desafiar, de descobrir as falhas do sistema...” A expressão não era de riso; era um esgar malicioso de quem já conta com os louros. Vitória por mérito...
Cintilava nos olhos de ambos um indelével desejo de astúcia, de reconhecimento meritório de astúcia de um – o Senhor -, que demandava aplausos da platéia entusiasta que julgava ter no outro, e deste outro que exalava um devir de sobrevivência e instigava: -“Em nossas idades-Terra, Senhor, meninos é que somos nessas circunstâncias, ávidos por imaginar proezas dessas engenhocas, ardemos de contentes!”.
Senhor, abrindo o painel do caixilho, exultava: -“E já que explodiremos juntos, mal me contenho em excitar sua imaginação: imagina o recurso que usei para enganar seus sensores”.-“ Não alcanço!”. –“Uma singela máscara de interface na área do relógio.”, e abriu o código fonte, inclinando o corpo para o exato quadrante coberto por uma das câmeras de vigilância. O outro ergueu os braços, solerte; -“Desenvolvedor!”
Ao erguer os braços, porém, a câmera registrou o dedo indicador direito apontando para o alto e o esquerdo para o painel do caixilho que escancarava o hackerismo, agora, detectado e desfeito com recuso tão singelo quanto o concebido pelo desenvolvedor – uma intervenção no relógio do sistema e subsistemas coadjuvantes tornava virtual toda a sequência do tempo transcorrido desde a chegada do Senhor...
Quando, já no final daquela troca de amenidades tecnológicas, algo nefasto apontava para o imponderável da missão do Senhor, este, lacrando seu caixilho, retesou-se e proferiu, solene: -“ Hora do fim, colega!”-“Ora, ora, temos tempo, Senhor, uma câmera flagrou e desabilitou a contagem. Para todos os efeitos, não tivemos este encontro porque o Senhor não entrou aqui. Prefere seu chá com leite, seu avatar gosta?”
19.7.09
Habemus STALKER
9.7.09
8.7.09
"Equalizando a Relação"-Microconto dez palavras
Ela quer: "Sinta saudade;liga sempre!"Ele fantasia...cinta-liga! {Quarto microconto de dez palavras, no esquema de paridade 10/1 com M.Freire no Twitter. O danado está no 16. Como, a cada de dez dele, proponho-me publicar um (de dez palavras), chegamos a um múltiplo curioso. E eu tenho alguma dianteira, nesse tour du force, onde meu efort é de anumar uma equivalência com equidistância. Bom exercício de concisão sob o olhar instantâneo de twiteiros
25.6.09
Rodas de Leitura, oficinas, escritores amigos
Ao acessar o www.postoqueposto.blogspot.com deparo-me com um painel fotográfico(créditos ao renomado fotógrafo Elexandre Toresan)em editorial de Daniel Serrano.
Louvo mais uma veza iniciativa do Sesc Campinas de trazer escritores como Marcelino Freire, Maurício de Almeida, Joca.R.Terron, além de inovar com o dinâmico sistema de curadoria que costurou as oficinas de Fabrício Carpinejar, Cíntia Moscovich, Adriana Lunardi e Luiz Ruffato. Como decorrência, a consolidação dos vínculos literários e afetivos entre os autores retratados no painel. Breve, um link.
Louvo mais uma veza iniciativa do Sesc Campinas de trazer escritores como Marcelino Freire, Maurício de Almeida, Joca.R.Terron, além de inovar com o dinâmico sistema de curadoria que costurou as oficinas de Fabrício Carpinejar, Cíntia Moscovich, Adriana Lunardi e Luiz Ruffato. Como decorrência, a consolidação dos vínculos literários e afetivos entre os autores retratados no painel. Breve, um link.
23.6.09
www.projeto-portal.blogspot.com
Está para sair a terceira edição do projeto de ficção-científica em portais impressos.
O primeiro foi Solaris, o segundo Neuromancer, e agora é Stalker.
O objetivo do projeto é aumentar a demanda por ficção-científica no país e tem coordenação de Nelson de Oliveira, autor de Geração 90 (Boitempo), Subsolo Infinito (Cia das letras), Algum Lugar em Parte Alguma (Record) e outros (http://urbanalenda.blogspot.com).
200 leitores formadores de opinião serão escolhidos para ler e resenhar os dez contos de diferentes autores, em sua maioria escritores e artistas já publicados.
No website existem vídeos, releases, resenhas, biografias, notas da imprensa e outras informações do gênero: http://projeto-portal.blogspot.com
Agradecemos a divulgação da iniciativa!
O primeiro foi Solaris, o segundo Neuromancer, e agora é Stalker.
O objetivo do projeto é aumentar a demanda por ficção-científica no país e tem coordenação de Nelson de Oliveira, autor de Geração 90 (Boitempo), Subsolo Infinito (Cia das letras), Algum Lugar em Parte Alguma (Record) e outros (http://urbanalenda.blogspot.com).
200 leitores formadores de opinião serão escolhidos para ler e resenhar os dez contos de diferentes autores, em sua maioria escritores e artistas já publicados.
No website existem vídeos, releases, resenhas, biografias, notas da imprensa e outras informações do gênero: http://projeto-portal.blogspot.com
Agradecemos a divulgação da iniciativa!
5.6.09
Microcontos (dez palavras) para Tweeter
“Aca(l)mada”
Tua mãe se adoentava e trazia homens pra sarar dela.
{Desde ontem, o danado do Marcelino Freire - que andou lendo Mcs meus em oficina do Sesc Campinas e...gostou deles - estará publicando 1 microconto por dia no Tweeter até chegar a mil! Embarco nessa com proposta equivalente e equidistante: a cada dez dele publico um meu, até enloquecermos todos. Prometo jogar a toalha no caso de perceber, nos meus, um comprometimento da narratividade ou um descambar para o aforismo, o anedótico puro, etc.}
Tua mãe se adoentava e trazia homens pra sarar dela.
{Desde ontem, o danado do Marcelino Freire - que andou lendo Mcs meus em oficina do Sesc Campinas e...gostou deles - estará publicando 1 microconto por dia no Tweeter até chegar a mil! Embarco nessa com proposta equivalente e equidistante: a cada dez dele publico um meu, até enloquecermos todos. Prometo jogar a toalha no caso de perceber, nos meus, um comprometimento da narratividade ou um descambar para o aforismo, o anedótico puro, etc.}
1.6.09
Pasmem com Divulgação Viral do P.Stalker. Tenho 4 contos lá.
Projeto Portal é uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — é paga pelos participantes e os exemplares são divididos entre eles. Serão no total seis números (de papel e tinta, não online). Cada número da revista homenageia, no título, uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit. O objetivo do Projeto Portal é ter uma publicação de altíssima qualidade literária, que vire referência entre os escritores e os estudiosos do fandom, e também entre os escritores e os estudiosos do mainstream. Ou seja, planejamos uma revista para a intelligentsia, que vire um marco na FC nacional e na literatura em geral. O Projeto Portal não se destina ao grande público, mas apenas ao pequeno grupo de aficionados mais refinados. Nosso lema é: poucos exemplares para poucos leitores exemplares. Por isso os números da revista não são vendidos, eles são distribuídos entre os melhores leitores do país.
Portal Stalker from NEOCRONICA.ORG on
Portal Stalker from NEOCRONICA.ORG on Vimeo.
26.5.09
22.5.09
“Nonsensal”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Tudo muito ligeiro, da emboscada ardilosa, fisgada por uma premonição, ao momento de perceber o quanto estava desorientado. Indisposto, sobretudo; não apenas fisicamente, mas pela horripilante constatação do grau de indisponibilidade... a si próprio. Mais ainda – pela sua indiferença baça àquela condição limite. A forma como se dirigiam a ele trazia embutida nos gestos estereotipados, uma espécie de repulsa polida, de gentileza protocolar que não escondia o clima de apreensão. Era grave, disso sabiam. Alardeava-se essa gravidade na razão inversa do silêncio em torno. Estava só.
O celular que, implantado faz tempo no dente vinte e sete, fora desabilitado e não emitia sinais auditivos. O campo colocado entre o queixo e o tronco não lhe permitia qualquer inferência sobre a natureza da intervenção que seu corpo sofria, sofrera ou estava em vias de receber. Aparelhagem que o cercava, revestida pelas prudências de uma presumível assepsia, não lhe dizia nada. Nada lhe dizia nada. Não estava sedado, no entanto, nem mergulhado em estado crepuscular de consciência – ele saberia – mas reduzido, inexoravelmente, à indisponibilidade àquilo que o significasse.
Muito rápida e impessoal minha primeira interação verbal com alguém (que aparecera na mesma premonição), de gênero indefinido, semblante inacessível pelo rigor com que se paramentava para colher meu histórico, nada mais vago...
“-Bem-vindo ao Casulo, Senhor...?
“-Senhor... Bom começo! Senhor quem e em que circunstâncias, pode me dizer?
“-O quadro parece evoluir para Dissociação Episódica Inespecífica. Até breve!”
Perplexo, só lhe ocorria que a tampa de seu crânio fora serrada e o cérebro, exposto, prestava-se à monitoração da reatividade de algumas estruturas. Mas, com que propósito, experimental (de quê?) ou terapêutico (para quê?)... Vacuidade; um tanto faz.
Encarava as coisas do cérebro, no entanto, sem perplexidades. A dor (que eu não sentia, pois, no cérebro não há dor, nem luz), o sentido do tempo (este que se mantinha preservado, até por saber que, o que quer que estivesse acontecendo consigo, a premonição já lhe narrara...) eram parte de um festival particular de discretos aminoácidos, de cujas peripécias era um mero coadjuvante, nada iluminista. Torpor, nenhum, exceto o nome do artista de quem recordo alguns cartuns de humor e a fala de um personagem: “Que direito tem meu cérebro de se chamar de eu?”, perdida no tempo.
Então lhe apresentaram num plasma que se descortinou, do nada, diante de meus olhos, um retângulo, no interior do qual, uma frase e um diagrama, também retangular, com um signo dentro, pareciam dispostos a mensurar ou aferir algo de si: “CONFESSA QUE PRETENDE”, lia, e olhava o signo sem nenhum sentido ao lado. E, fosse lá o que fosse, trazia alguma atração nova àquele festival neuroquímico, com suas substâncias bailando a deriva, à revelia de qualquer evento externo que lhes exigissem algum alvará e se assenhoreasse do meu tempo narrativo, até então, todinho de seu cérebro-música só.
“-Alô! Quanto tempo passou desde que estive fora daqui até agora e este teste?”
“-Exijo meus direitos de paciente desta porra! Ou os direitos dele, de cobaia, é!”
“-Meu tarefário está em dia, impostos idem! Cárcere privado? Ditadura cyber!
Por mais que eu berrasse não lhe retiravam o bizarro teste do plasma nem o próprio plasma de seu campo visual. “Premonitar está proibido pelas neurociências?”, brincou, tentando divertir-se com aquela bizarrice toda, para além do risco de, sei lá...
Se ainda tinha o tempo subjetivo como soberano daquela narrativa pueril, este começava a lhe doer no estômago; sentia o nervo vago. O paciente-cobaia precisava agir e gritei-“Não tenho pretensão de ser confessional!” Até porque cerceada a tensão:ser-se!
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Tudo muito ligeiro, da emboscada ardilosa, fisgada por uma premonição, ao momento de perceber o quanto estava desorientado. Indisposto, sobretudo; não apenas fisicamente, mas pela horripilante constatação do grau de indisponibilidade... a si próprio. Mais ainda – pela sua indiferença baça àquela condição limite. A forma como se dirigiam a ele trazia embutida nos gestos estereotipados, uma espécie de repulsa polida, de gentileza protocolar que não escondia o clima de apreensão. Era grave, disso sabiam. Alardeava-se essa gravidade na razão inversa do silêncio em torno. Estava só.
O celular que, implantado faz tempo no dente vinte e sete, fora desabilitado e não emitia sinais auditivos. O campo colocado entre o queixo e o tronco não lhe permitia qualquer inferência sobre a natureza da intervenção que seu corpo sofria, sofrera ou estava em vias de receber. Aparelhagem que o cercava, revestida pelas prudências de uma presumível assepsia, não lhe dizia nada. Nada lhe dizia nada. Não estava sedado, no entanto, nem mergulhado em estado crepuscular de consciência – ele saberia – mas reduzido, inexoravelmente, à indisponibilidade àquilo que o significasse.
Muito rápida e impessoal minha primeira interação verbal com alguém (que aparecera na mesma premonição), de gênero indefinido, semblante inacessível pelo rigor com que se paramentava para colher meu histórico, nada mais vago...
“-Bem-vindo ao Casulo, Senhor...?
“-Senhor... Bom começo! Senhor quem e em que circunstâncias, pode me dizer?
“-O quadro parece evoluir para Dissociação Episódica Inespecífica. Até breve!”
Perplexo, só lhe ocorria que a tampa de seu crânio fora serrada e o cérebro, exposto, prestava-se à monitoração da reatividade de algumas estruturas. Mas, com que propósito, experimental (de quê?) ou terapêutico (para quê?)... Vacuidade; um tanto faz.
Encarava as coisas do cérebro, no entanto, sem perplexidades. A dor (que eu não sentia, pois, no cérebro não há dor, nem luz), o sentido do tempo (este que se mantinha preservado, até por saber que, o que quer que estivesse acontecendo consigo, a premonição já lhe narrara...) eram parte de um festival particular de discretos aminoácidos, de cujas peripécias era um mero coadjuvante, nada iluminista. Torpor, nenhum, exceto o nome do artista de quem recordo alguns cartuns de humor e a fala de um personagem: “Que direito tem meu cérebro de se chamar de eu?”, perdida no tempo.
Então lhe apresentaram num plasma que se descortinou, do nada, diante de meus olhos, um retângulo, no interior do qual, uma frase e um diagrama, também retangular, com um signo dentro, pareciam dispostos a mensurar ou aferir algo de si: “CONFESSA QUE PRETENDE”, lia, e olhava o signo sem nenhum sentido ao lado. E, fosse lá o que fosse, trazia alguma atração nova àquele festival neuroquímico, com suas substâncias bailando a deriva, à revelia de qualquer evento externo que lhes exigissem algum alvará e se assenhoreasse do meu tempo narrativo, até então, todinho de seu cérebro-música só.
“-Alô! Quanto tempo passou desde que estive fora daqui até agora e este teste?”
“-Exijo meus direitos de paciente desta porra! Ou os direitos dele, de cobaia, é!”
“-Meu tarefário está em dia, impostos idem! Cárcere privado? Ditadura cyber!
Por mais que eu berrasse não lhe retiravam o bizarro teste do plasma nem o próprio plasma de seu campo visual. “Premonitar está proibido pelas neurociências?”, brincou, tentando divertir-se com aquela bizarrice toda, para além do risco de, sei lá...
Se ainda tinha o tempo subjetivo como soberano daquela narrativa pueril, este começava a lhe doer no estômago; sentia o nervo vago. O paciente-cobaia precisava agir e gritei-“Não tenho pretensão de ser confessional!” Até porque cerceada a tensão:ser-se!
2.5.09
"Punho na Goma"- Microconto dez palavras
“Punho na Goma.”
Quando meu pai punha terno, ficava mais educado com santa
Quando meu pai punha terno, ficava mais educado com santa
6.4.09
"Baixo-ajuda"-Microconto monofrásico, dez palavras
Ânsia por tempo tem importância não, escreveu. A ansiedade baixou.
(Ouça leitura no www.gengibre.com.br , CANAL> LITERATURA > araujobueno)
(Ouça leitura no www.gengibre.com.br , CANAL> LITERATURA > araujobueno)
17.3.09
"Holograma"- Conto breve,sci-fi, com toque experimental
“Holograma”
Com seus parcos recursos, morando distante dos Núcleos de Segurança, aquele colapso da energia desconfigurou-lhe em sua noção de pertença, de conexão mínima com os seres de qualquer natureza. Prudência, Mitcei!, ruminava. Sensação de cessação...
Dos medos, o da putrefação de suas provisões, parcas, e dos micro-organismos morais que o assaltariam, puntiformes ou em bloco, precavia-se com algas e mantras. Plantou em si alguma ira. Medo e raiva que se excluíssem mutuamente. Dormiu.
O que o despertou de um sono branco foi a barulheira do silêncio. Um silêncio geométrico e pantanoso conspirava por onde quer que a vista tocasse. E que o tocava também; pupilas dilatadas, turbulência circulatória – serpentário virtual, onipresente.
Tempo e silêncio, este binômio do luxo e privilégio de castas predatórias, pois sim, mas Mitcei sabia que a falta deste era suportável pela impossibilidade daquele.Acuado, viu-se refletindo como filósofo. Refletir, agora, – outro luxo. Agir, sim.
Refazer o trajeto civilizatório, recuperar tecnologias – agir com as mãos, esculpir objetos! Então, reaver imagens que confirmassem sua condição humana, de civilidade, ainda que parca, porque ele era assim recluso, refratário aos elos civilizados.
Usou resina antiga para moldar uma dançarina com espátula – ei-la! Tosca, porém – tangível, direto de sua imaginação sedentarizada. Mitcei apelidou-a: Altamira. Arriscou-se a capturar algo de Sol, na falta do laser, e da reconstrução do campo óptico dentro de um cilindro surgiu a holografia de Altamira, posta em pedestal. Não se movia, não dançava a dançarina; caberia a ele orbitar à volta dela, recitando os mantras que ela lhe inspirasse, oscilante como os feixes de luz solar. Teve alucinações; pensou ouvi-la recitar.
Às vezes pensava no seu tarefário, no tudo que deixara de fazer. Prudência, homem! E desabava soterrado pelo dever de fazer, de plantar. Por quanto tempo essa inflação de tempo? E cessada a cessação, que outra sensação?
Masturba-se às vezes, noutras, deambulava a esmo pelo iglu que recobriu de lã sintética. Às vezes, apavorado e desnutrido, esbarrava em vultos. Por onde teriam violado seu recanto? Teriam descoberto Altamira? Altamira sequestrada, dessacralizada?
Armou-se, inflamou a ira para neutralizar o medo. Altamira suplicou-lhe proteção, já não mais recitava nunca! Retirou-a do cilindro, destruiu o pedestal e o campo óptico. Envolta em celofane, pensava ouvi-la sussurrando, como se privada dos sentidos.
A espessura daquele silêncio...O espectro da insanidade. Quanto tempo dura uma privação assim? Um fenômeno global? Dariam falta dele, o Mitcei refratário, recluso?Saberiam da tutela de Altamira que sussurrava entre suas luvas congeladas? O fim?
Uma draga que percorria a região pousou à distância segura. Pandemia de malária, nômades revoltosos, vazamento radioativo...sabe-se lá. Do interior do sítio, murmúrios indecifráveis. Alguém registrou (à margem): “Assemelha-se à cantiga de ninar”.
Com seus parcos recursos, morando distante dos Núcleos de Segurança, aquele colapso da energia desconfigurou-lhe em sua noção de pertença, de conexão mínima com os seres de qualquer natureza. Prudência, Mitcei!, ruminava. Sensação de cessação...
Dos medos, o da putrefação de suas provisões, parcas, e dos micro-organismos morais que o assaltariam, puntiformes ou em bloco, precavia-se com algas e mantras. Plantou em si alguma ira. Medo e raiva que se excluíssem mutuamente. Dormiu.
O que o despertou de um sono branco foi a barulheira do silêncio. Um silêncio geométrico e pantanoso conspirava por onde quer que a vista tocasse. E que o tocava também; pupilas dilatadas, turbulência circulatória – serpentário virtual, onipresente.
Tempo e silêncio, este binômio do luxo e privilégio de castas predatórias, pois sim, mas Mitcei sabia que a falta deste era suportável pela impossibilidade daquele.Acuado, viu-se refletindo como filósofo. Refletir, agora, – outro luxo. Agir, sim.
Refazer o trajeto civilizatório, recuperar tecnologias – agir com as mãos, esculpir objetos! Então, reaver imagens que confirmassem sua condição humana, de civilidade, ainda que parca, porque ele era assim recluso, refratário aos elos civilizados.
Usou resina antiga para moldar uma dançarina com espátula – ei-la! Tosca, porém – tangível, direto de sua imaginação sedentarizada. Mitcei apelidou-a: Altamira. Arriscou-se a capturar algo de Sol, na falta do laser, e da reconstrução do campo óptico dentro de um cilindro surgiu a holografia de Altamira, posta em pedestal. Não se movia, não dançava a dançarina; caberia a ele orbitar à volta dela, recitando os mantras que ela lhe inspirasse, oscilante como os feixes de luz solar. Teve alucinações; pensou ouvi-la recitar.
Às vezes pensava no seu tarefário, no tudo que deixara de fazer. Prudência, homem! E desabava soterrado pelo dever de fazer, de plantar. Por quanto tempo essa inflação de tempo? E cessada a cessação, que outra sensação?
Masturba-se às vezes, noutras, deambulava a esmo pelo iglu que recobriu de lã sintética. Às vezes, apavorado e desnutrido, esbarrava em vultos. Por onde teriam violado seu recanto? Teriam descoberto Altamira? Altamira sequestrada, dessacralizada?
Armou-se, inflamou a ira para neutralizar o medo. Altamira suplicou-lhe proteção, já não mais recitava nunca! Retirou-a do cilindro, destruiu o pedestal e o campo óptico. Envolta em celofane, pensava ouvi-la sussurrando, como se privada dos sentidos.
A espessura daquele silêncio...O espectro da insanidade. Quanto tempo dura uma privação assim? Um fenômeno global? Dariam falta dele, o Mitcei refratário, recluso?Saberiam da tutela de Altamira que sussurrava entre suas luvas congeladas? O fim?
Uma draga que percorria a região pousou à distância segura. Pandemia de malária, nômades revoltosos, vazamento radioativo...sabe-se lá. Do interior do sítio, murmúrios indecifráveis. Alguém registrou (à margem): “Assemelha-se à cantiga de ninar”.
24.2.09
DEBATE SOBRE SCI-FI NA L.CULTURA-SEXTA/13!
[LEIA MAIS A RESPEITO NO "FESTINA LENTE": www.literaujobueno.blogspot.com ]
PORTAL NEUROMANCER: UMA EXPERIÊNCIA COLETIVA
Livraria Cultura Shopping Center Iguatemi
Dia 13 de março, sexta-feira
A partir das 19h
O antropólogo e escritor Carlos Rodrigues Brandão conversará com o psicanalista e escritor Marco Antônio de Araújo Bueno e o jornalista e escritor Roberto de Sousa Causo sobre a relação da ficção científica com os outros gêneros, e a experiência de criar uma revista colaborativa, numa homenagem aos antigos fanzines, mas com uma nova linguagem.
Após o evento os autores autografarão seus livros.
Carlos Rodrigues Brandão é antropólogo, pós-doutor em Ciências Sociais e professor da Unicamp. É autor dos livros Encantar o mundo pela palavra (Papirus, 2006) e Minha casa, o mundo (Idéias e Letras, 2008), entre outros. Mora em Campinas, SP.
Marco Antônio de Araújo Bueno é psicanalista lacaniano, com mestrado e doutorado pela Unicamp. Publicou Tive um sonho estranho (Unicamp, 2003). Assina a coluna Cotidiano da revista Showroom. Mantém o blog Festina Lente (www.literaujobueno.blogspot.com). Mora em Campinas, SP.
Roberto de Sousa Causo é ficcionista e ensaísta. Publicou, entre outros, A corrida do rinoceronte (Devir, 2006) e O par (Humanitas, 2008), e organizou a antologia Os melhores contos brasileiros de ficção científica (Devir, 2008). Mora em São Paulo, SP.
Livraria Cultura Shopping Center Iguatemi
Av. Iguatemi, 777 - Lojas 4 e 5 - Piso 1
Vila Brandina - Campinas - SP
Tel.: (19) 3751-4033
P R O J E T O P O R T A L
A revista Portal Neuromancer — segundo número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira — traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.
São dezessete narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de doze autores contemporâneos, em nove EStados.
O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.
Os contistas da Portal Neuromancer são: Ana Cristina Rodrigues (RJ), Ataíde Tartari (SP), Fábio Fernandes (SP), Geraldo Lima (DF), J. P. Balbino (RJ), Jacques Barcia (PE), Lima Trindade (BA), Luiz Bras (SP), Marco Antônio de Araújo Bueno (SP), Roberto de Souza Causo (SP), Rogers Silva (MG) e Tiago Araújo (SP).
P O R T A L N E U R O M A N C E R
revisão: MIRTES LEAL • diagramação: RAQUEL RIBEIRO • capa: TEO ADORNO
formato: 16 X 23 CM • nº de págs.: 120 • tiragem: 240 EXEMPLARES
oliveira.e.cia@uol.com.br [Trinta exemplares serãopostos à venda após o evento]
23.2.09
"Brevidades ao Ponto" (e-book no www.bookess.com/profile/araujobueno
Esta é a capa do E-book "Brevidades ao Ponto" no site acima. Contos breves (gênero sci-fi, inclusive)e microcontos, alguns com mais de dez palavras (os monofrásicos trabalhados no doutorado, ao jeito moterrosiano). Não sei se o considero "pronto" tendo em vista o formato da publicação. E aguarda os pitacos, sempre.
6.2.09
CONTOS e MICROCONTOS LIDOS POR QUEM OS ESCREVE
Leitores, eu os conclamo ao não sei no que vai dar,mas já está dando o que falar. Trata-se do www.gengibre.com.br . Arquivos de voz, tal como o Tweeter em eficiência.
Há três dias apenas enredado nos intestinos do site, lá estão vinte e seis textos entre contos breves, não tão breves (em três segmentos de seis minutos de leitura, com prosódia e tudo, o "Transcurso de Vida") e, claro - os microcontos que, lá, encontram seu locus privilegiado. Cadastrem-se e flutuel sobre o relevo fônico da voz do autor que, agora sim, tem um projeto de leitura para seus textos. E lhes adianto - inspira-me a idéia de leitura precinizada por João Gilberto Noll. Sim!
Oportunamente, aos mais refratários, publicarei parte dos links que remetem leitura que andei cometendo no tranco, na emoção do reencontro com a palavra escrita no momento em vicejam suas potencialidades não gráficas - a inflexão e modulação, o timbre...A ferramenta promete. Agradeço-lhes sugestões e pitacos.
Abraços e até não sei (tal como o filósofo islovênio Slavoj Zizek, lacaniano também,tenho minhas reservas quanto ao carnaval. Ele explica isso melhor; é fera!)
Há três dias apenas enredado nos intestinos do site, lá estão vinte e seis textos entre contos breves, não tão breves (em três segmentos de seis minutos de leitura, com prosódia e tudo, o "Transcurso de Vida") e, claro - os microcontos que, lá, encontram seu locus privilegiado. Cadastrem-se e flutuel sobre o relevo fônico da voz do autor que, agora sim, tem um projeto de leitura para seus textos. E lhes adianto - inspira-me a idéia de leitura precinizada por João Gilberto Noll. Sim!
Oportunamente, aos mais refratários, publicarei parte dos links que remetem leitura que andei cometendo no tranco, na emoção do reencontro com a palavra escrita no momento em vicejam suas potencialidades não gráficas - a inflexão e modulação, o timbre...A ferramenta promete. Agradeço-lhes sugestões e pitacos.
Abraços e até não sei (tal como o filósofo islovênio Slavoj Zizek, lacaniano também,tenho minhas reservas quanto ao carnaval. Ele explica isso melhor; é fera!)
31.1.09
´Do forno: "HOLOGRAMA" e créditos ao "Soneto Visual"
Este "Soneto Visual", belíssimo pelas túrgidas metaforonímias, é deautoriade Avelino Araújo. Ilustra o meu grupo "Madeleines & Brevidades Arte-Ofício" no Plaxo Pulse e, até agora, não havia publicado seus devidos créditos. Aí está, "primo"; ainda que seja pelo parentesco das afinidades estéticas.
E o conto breve (experimental)- "Holograma" está disponível para envio (mediante certos critérios)pelo araujobuenopsi@gmail.com Trata-se de mais uma peça sci-fy, inédita e a permacer assim até segunda órdem
27.1.09
Parte 6 do registro da mesa redonda_Lançamento PORTAL NEUROMANCER-PUC-SP
Momento em que Roberto S. Causo interpela minhas narrativas no que tange às citações, à questão da "tradição", ao processo criativo, etc.
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