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5.12.06

"Baiacu Meu"_ Conto breve

“Baiacu meu” ·Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Digo que é meu porque, enquanto tema, quem tem Baiacu tem medo, e temo que já tenham visto o baita Baiacu do João Ubaldo escancarado na Internet. Muita coisa a respeito do peixe por lá: tem o Verde, o da Amazônia, tudo descrito, classificado e com os nomes oficiais. O meu é bizarro. É aquele que tem cara de diabo com dois chifrezinhos e tudo.
Meio quadrado e acinzentado, tem uma nadadeira pífia, curtinha demais, o que o torna vulnerável demais à correnteza, à força das águas agitadas. Se tal condição o favorece, se é coisa de sobrevivência, já é assunto de biólogo. Se lhe crava um certo “devir”, se é um capricho desleixado da natureza, já vira coisa da minha praia aqui. É certo também que possui os quatro dentinhos afiados do Baiacu do grande escritor, por isto o chamei (não ao Ubaldo...) de baita Baiacu, bem entendido! Pois bem, quatro serrilhas, ávidas para corroer cabos, redes de pescaria e até anzóis. Não obstante, bem entendido, o meu bizarro animal, eu o denomino Baiacu-estorvo. E vamos deixar de lado os Chicos, o poeta e o rio, que o escrotinho aqui estorva em água salgada, oceânica mesmo. Razão singela: jogou a tarrafa, pegou Baiacú bojudo, cinzento, dois olhões esbugalhados...pode desistir da pescaria. Resta o espetáculo patético de vê-lo inflando-se todo e expondo uma manta de cílios molengas à guisa de espinhos assustadores Seriam mesmo? Haveria veneno neles ou, onde o veneno espreita?
Bem, embora se alimente de algas, crustáceos e demais frugalidades marinhas, é certa a ocorrência de muitos dejetos e dejetos pelas quebradas por onde balanga seu estúpido rabicó, digamos...em vão. Pois, desengonçado, desproporcional e desnorteado, vive à mercê da vontade aleatória das águas. Quando termina na areia, nem por isso morre; tem uma sobrevida e tanto no seco. Fica se inchando, ridículo, frente à ameaça de uma pisadela a esmo, que nem quando bem aplicada o fará sucumbir de vez. Escolhi meu Baiacu pateta bem antes de trombar com o olhaço do João, e sei dessas coisas pelo Fabrício, o piscicultor iletrado que teimou em não vender seu peixe: - Só estrova, num assusta nem minino porque já feio, mas feio feito o diabo, nem carecia se estufar, o besta. E isso aqui tudo ó, pode por a mão...é espinho? Escovinha de dente, tem veneno nada, num espanta, só estrova. - Mas, Fabrício, nenhum bicho se defende em vão, quer dizer, fica fazendo coisa que não dê certo pra ele se manter. Pode não assustar gente, mas, sei lá, deve ter função no ecossistema dele, pra pássaros que vêm bicar na areia...
- Essas miudeza de mei ambiente eu num digo nada, vá lá, tem sina pra tudo, bem entendido. O que me inrrita é que o bicho se acha... - Como? Se acha o quê? - Um ouriço, tem base? Só que espinho de ouriço dá febre. Esse aqui nem se pisá nele, nem morre. Que nem piranha, só que num assusta nem minino. - Dá pra comer?
- Nada, num presta. Aproveita nada dele. Num tem serventia. - Comparado com... - Ô, com Pirarucu, que aproveita até a cabeça pra fazer pirão. De água doce, bem entendido! Se salgá vira bacalhau de baiano...Deste tamanho, o bicho! Vivente sozinho num dá conta de carregá. Pra pegá, lanceta o bichão quando sobe. - Bom, não vou levar mesmo. Aquário de água salgada é um trabalhão. Tinha achado ele meio exótico, bem monstrinho... - É, mas nem pra monstrengo o mostrengo serve. Leva o Palhaço! Péra aí, alô! Não senhor...sim senhor, não, não senhor, não to interessado. Não senhor, to ocupado...não quero, não, obrigado e vô desligá essa merda agora! - Telemarqueteiro, cara? - Baiacu de telefone fixo! Oferece tudo, até túmulo. Túmulo. E até tu, mula da psicanálise, desmontador compulsivo de peixes-palavra, cada idéia! Tu, que “se acha”, a ponto de pretender dar conta, sozinho, do teu baiacu literário, justo agora tem que te ocorrer a infâmia! A infame anedota, agora...”aquela” do homem que procura uma podóloga e ao escutar desta que ele tem olho-de-peixe esbraveja: “E a senhora tem cara de piranha!” Ora, nunca tive pena alguma de telemarqueteiros, ao contrário, supunha neles alguma vocação atávica ao estorvo, e os estorvava, com requintes...cada idéia! Empatava-lhes o tempo que me surrupiavam com requintes, com técnica. Fingia estar ditando textos a alguém, pedia-lhes “um minutinho”, “aguarde um instante, por obséquio”, e sapecava-lhes trechos do mais barroco “lacanês” (“... a palavra é a presença da ausência da coisa”), “um minutinho...” Ou então, as “Torturas Suplementares”, caudalosas, d “Os 120 Dias de Sodoma”, do Marquês. Retribuía a fealdade existencial dos telebaiacus com os “atrativos sexuais da fealdade”, escorado na Simone do Sartre e, quer saber, até que me achava generoso demais. Imaginava-os meio sadomasoquistas trancafiados em meio/ambientes com um PC e telefone, monitorados por vídeo e áudio, engolindo dejetos e dejetos verbais, e vendendo o peixe dos outros. Confinados nas “baias” (assim as batizaram), com cara de palhaço e, ao fim do dia, com toda força de trabalho deles à deriva, o que foi feito de suas almas? Baia “cumeu”, diria Fabrício, pouco afeito ao “Homo Fabris”; e que não vendia o próprio peixe. Mas eu, não. Generosidade - sinalizo aos baiacus como um farol. Mas, convenhamos, escrever um diário deste farol, seria luxúria. Ainda que pífia, se comparada a dos libertinos de Sade...