PASPATU
Por Marco A. de Araújo Bueno
Para R. Magritte
E era uma festa linda, e bonitos
Seres se riam sem gargalhar;
Enterneciam-se de palavras ouvidas
Sem que ruidosas melancolices
Amaldiçoassem, na ira, o lugar.
E nunca olvidando do feltro
Prediluviano no olhar, filtravam
Entre frutas vermelhas,
Absintos mineralizados, cristais
De tâmaras e aves suaves demais,
A vermelhidão, assustada, de estar
Entre tantos demais convivas,
Sem se estilhaçarem, animais.
Animados de alma, não mais
Além de seus contornos-umbrais.
24.11.10
CAMAFEU
CAMAFEU
Por Marco A. de Araújo Bueno
Por Marco A. de Araújo Bueno
Deixando o restaurante bandejão, lá vinha a Roxana equilibrando mochilinha nas costas, tonelada de xerox na mão esquerda e um saco plástico contendo uma baguete de pão murcho e uma laranja não descascada. Eu acompanhava a cena de um ponto do campus onde, aos trancos, sacolejando, desembestando pela turba, ela trombaria comigo, surpresa, mas agradecida: - “Ah, o cara, meu anjo da guarda, o carinha que deixou a Psico pra entrar pra História!”. Assim me enquadraram quando, alguns anos de formado, consultório claudicante, entrei para o curso de História querendo esquentar um projetinho de mestrado que me levaria a muitos, muitos pontos do campus. A gente conversava papos-cabeça enquanto eu lia seus troncos e membros. Ela achava meu olhar “algo penetrante...” essas conversas sobre Eros e Tânatos, e eu sentia alguma ternura melancólica pela sua libido-algo dispersa- ali distribuída entre os textos pesados para os dezenove da menina e o pão murcho, que pegava por pegar, do jeitinho mesmo como pegava meu membro e enlaçava meu tronco. E nada, nada sabíamos sobre a laranja e o que já significava àquela altura. Tratarei de descascá-la aqui, com um leve arrepio na espinha e muita dificuldade de recordar a fluência com que passeávamos por tantos labirintos simultâneos, com o fio de Ariadne que nos oferecia a nossa condição de “membros”. Proust acreditava que o passado residia nos objetos.
Que a laranja me faça as vezes da Madeleine no chá que trouxe toda a infância do escritor, em Combray. E eu os conduzirei pelas andanças de um outro objeto, por corpos, por lugares e por instâncias vertiginosas entre tânatos e o que tínhamos de Eros.
Ela e eu nos sentamos de frente um para o outro com as pernas abertas ao modo de sempre. Entre as dela, duas sedinhas, uma pro digestivo, outra para envolver um camafeu microscópico preso à argola de um piercing. “O passado (apontei para o pão), o presente (para o baseado) e. o futuro?” Uuuuu...
-Acho que não vai acreditar - falou arrastado - envolvendo a peça insólita com a sedinha e erguendo o polegar esquerdo enfiado até a metade da laranja cuja casca rompeu por cima, sem ferir os gomos. Imagina o que se pode esconder entre estas suculências cítricas, como se cravasse na rocha... e dissolvesse, assim...
Eu perdi a seqüência dos movimentos desviando o olhar para o trote, nada abstrato, das ancas e peitos de Luciana que se aproximava explodindo em sol, transpiração banhada e aromas de cânfora, rangidos de calçados aquáticos e mais a volúpia animada pela convicção de trepar comigo, depois do almoço, como gostava. Era a hora do nosso itinerário pelos recantos preguiçosos do campus pós-prandial, entre laboratórios de Física, abandonados- “Bom, eu já curto endorfinas e coisas parecidas, assim, viagem de pele, sem maldade. O que rola com os de ervas, to trocando por serotonina e toda dopamina da minha lata mesmo, ô caras, sai dessa!”.
“Aceite esta laranja aqui, Luciana, vem, a gente caminha pelo fumódromo e então vai me contando como curte o cara, sem maldade...” Afastaram-se, e eu fiquei vendo quase mudo como uma lentificava a outra, enquanto se dissolvia o enigma da fruta, com um camafeu preso ao piercing metido pelas estranhas. Piercing de língua. A propósito, a Roxane pesquisava línguas nativas de tribos não aculturadas. A tarde passou. Manhã seguinte, depois do intervalo, a notícia corre: morreu de congestão! Comeu carne e foi pra piscina, já era, a gostosona.. Uma tragédia, coisa horrível de ver, enrolou a língua, ficou roxa roxa, ta estendida no lava-pé esperando a enfermaria, mas já foi, todo mundo acha, choradeira, que morte estúpida, coisa besta...as amigas querendo nem ver, a fruta no chão... O frio na espinha veio com minha manobra bem sucedida que, num vacilo dos para-médicos, logrou retirar-lhe o piercing da língua e, mais tarde, arremessá-lo ao lago central do fumódromo, na ala sul. Não me perguntem a razão. É muito cedo ainda. Um impulso, de protegê-la, talvez. Até hoje não sei. Nas semanas seguintes, quando a observava de longe, sentada, catatônica, fitando a pouca profundidade do laguinho, na ala sul, oposta à saída do bandejão, ficava sem pensar. Ela, sem textos nem pretexto; sem pão nem laranja. Parecia encantada. E estava.
E eu estaria assim, até agora, se um varredor que me espiava enquanto eu olhava Roxani espiando o lago, se ele não tivesse comentado que ela deu em cima do Jonas, naquela semana em que o funcionário achara uma jóia no laguinho. “Devia de ser valorosa, pois se a branquela do lago num tava maluquinha, querendo até pagar o menino!” E o cara, perguntei, - ué, pois num sumiu do laboratório, daqui, do mundão? “De primero ele queria avaliar direitinho a coisa, depois voltou pra cá numa sengraceza, falando que devolvia, mas comia ela antes, a moça. Pegaram os dois nuínho na Física, ela enrolava ele com fibra ótica, que ele tava todo marcado. Pois num sumiu objeto... prisma, os avental, umas chave também! E ele também, ué, e ela fica aí olhando pro nada dele”.
Pois agora digo eu- não é que, no dia da laranja estuprada pelo dedão dela enfiado, o normal não teria sido eu ter arrastado a gostosona da Educação Física para o laboratório de Física e, ao modo de sempre, esquadrinhá-la com filetes de fibra ótica! E depois caminharmos, nus sob os jalecos, pelas espirais do Observatório a Olho Nu (às vezes, nem dava tempo de chegar a Lua e outros astros que poderíamos contemplar, luze e lume agora mesmo, Luciana, fosforesce por baixo do tecido branco e arreganha luz no meio do meio da tarde ociosa do campus pisoteando os chapados, as chapadas e as obscuridades todas, chupa agora Luciana, chupa enquanto eu peno as chaves pra despistar esses delitos, chupa a obscuridade de todo conhecer!). Nunca ninguém mais achou o prisma.
Mas... se não acharam nunca mais também o Jonas, quem era eu pra chegar na moça, encantada, e perguntar. Perguntar de quê? Ousaria descobrir como teria reproduzido a minha delirança toda com quem luzia, enquanto ela se enterrava nos próprios gomos a fundo, sem anjo-da-guarda (Ó!) e, agora, tadinha... sem um camafeu?
Uuuuu..
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COLUNAS NO BLOGUE COLETIVO 'DE CHALEIRA'
23.9.10
RECORTE E ILUSTRAÇÃO DO "SEGUIMENTO 19" -CONTO MEU NO PORTAL 2001
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Minutos antes de uma hora impossível da manhã, o homem renitente submerge d´algum vão de escadaria do metrô em qualquer plataforma que rasga dos mais de seiscentos quilômetros da malha de New York.
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Fosse de Tóquio, de Londres, ele viria surgindo igualmente íngreme; de Moscou - duzentos e cinquenta quilômetros - tê-lo-íamos visto desenfurnando-se também, a distar meio metro dos demais transeuntes, outros seres; seus concidadãos...
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Onde quer que haja boa malha no que foram grandes cidades, e não tenham, ainda, engolido a si próprias nessas dobraduras subterrâneas, ele, o homem renitente, terá brotado de novo aí para desaparecer outra vez mais adiante e sempre.
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Marco Antônio de Araújo Bueno. Portal 2001
Brontops Baruk, pasra o www.projeto-portal.blogspot.com (com minha gratidão)
Imagens>: World Subways at Scale
22.9.10
12.9.10
ENSAIO SOBRE 'A HISTÓRIA SEM FIM"-PARTE I
TEORIA DA TÉCNICA PSICANALÍTICA NA ‘HISTÓRIA SEM FIM’, DE MICHAEL ENDE
Por Marco A. de Araújo Bueno
PARTE I
Há pelo menos uma razão plausível para se falar em fantasia: a de refazer um percurso de concavidade. Pensar, aliás, nessa palavra é quase poder tocá-la... Tocar o côncavo, sensual e distraidamente, eis um exercício de puro Princípio do Prazer.
Há o contato com o próprio livro, contato materialmente erótico, de cheiro de gráfica, de cores discretas e saborosas, de barulhinhos e sonzinhos da primeira cartilha, da infância. O livro vem de dentro do livro (“... ele agora está nas suas mãos...”) e o côncavo se oferece como um figo recém abocanhado. Suculento como um figo, misterioso como uma caverna.
O livro é um brinquedo novo e ocupa muito pouco espaço: ele ocupa o seu próprio espaço de dentro!
Côncavo, caverna, dentro, figo mordido... Há também uma razão mais antipática para se propor uma quebra de encanto, uma “lize” do erótico. Trata-se, é claro, de uma razão acadêmica, exorcisante de prazer, que só faz restaurar o convexo. Puro Princípio de Realidade.
Assim, se a Psicanálise que Lacan reescreve, preciosista, barroco, passa como um feixe intrincado de conceitos complexos (se isso é, por certo, quase que metodológico nele), se o “lacanês” é pedante e chato e auto-centrado e delirantemente complicado, isso só acontece porque há um caso de amor. Não se deixa um objeto de amor em mãos inábeis, sob os olhares pervertidos de uma psicologiazinha do ego norte- americana, sob os carinhos grosseiros de um adaptacionismo pragmático e imbecilizante, no colo da mais ingênua “ilusão” do sujeito.
Não é complicado achar em Lacan a assunção de uma hábil e estratégica forma de sedução. A palavra freudiana o toca como uma flauta mágica. Ele não apenas escuta as notas, ele as nota deslizando... metonimizando-se. Entra floresta adentro na melodia, sabe-se perdido e torna-se perdinte instituindo a “beance”, a falta- carbono da palavra. Ele acredita nessa mística xamânica da palavra, e é pela palavra que nós nos perdemos nele.
Eu o reencontro nesse livro, um livro roubado (“... La Letre Voullé” de Poe), uma história sem fim, como a figura de um pai cristalizado em um subterrâneo dos sonhos esquecidos (o significante primeiro, inadmitido à consciência?), de esfinges que compendem toda a sabedoria e paralisam... pelo olhar.
Como a partir de uma igrejinha dogmática só se avista discursos confirmatórios, os discursos confirmatórios de Lacan estão aí para mostrar que, pior que o puxa-saquismo da ortodoxia, é a chatice da ortodoxia do puxa-saquismo, o que o próprio Lacan já denunciava como o “não estilo”.
O próximo passo poderia ser justificar as justificativas introdutórias. Prefiro, no entanto, sair pelo livro adentro para tentar sugerir uma semelhança: a que se insinua entre o texto (apesar das sinalizações de trânsito que, por questão talvez de segurança, alternam cores de impressão para legitimar ou não a entrada pela fantasia que, afinal, só tem sentido, se for a “minha fantasia”) e o percurso do sujeito no processo da análise.
A análise também tem sua concavidade. Não se pode usá-la a torto e a direito. Uma espécie de imanência. Entra-se numa análise pelo meio e começa-se pelo lado de dentro. Um exemplo de abuso dos recursos e instrumentos da análise, no caso, poder-se-ia se ilustrar com uma inquietação, meio anedótica, meio “lingüistérica”: Por que razões (o inconsciente é feito de palavras) alguém chamado Michael Ende (... Das Ende?!) se põe a escrever uma história sem fim? Algo mais sério poderia ser: porque sinalizar os caminhos em um texto mais próximo a uma Banda de Moëbios, sem lado de dentro, sem lado de fora, sem direito e sem avesso, como o próprio inconsciente em seu estado de sótão (tão só) onde Bastian lê o livro, em seus estado de discurso, de texto?
Tenho a intenção de propor aqui algo menos lúdico que esse patinar por livre- associações. Dentre as quatro consagradas modalidades de crítica psicanalítica ( voltar-se para o autor como na “Gradiva” de Jensen; para o leitor; para o conteúdo ou para a construção formal do texto) escolho a segunda, até para privilegiar ramificações intertextuais. Não perderia o lúdico de vista. A propósito desta visada, é bom que se lembre- Kafka disse algo como (...) um texto deveria chegar ao leitor como a notícia de morte de um ente querido...
A leitura desse texto provocou-me certos lutos e algumas escotomizações, uma das quais insejou-me declinar de categorias tomadas às sociologias e às histórias, tão diacrônicas.
Se cada leitura é uma re-escritura, essa minha reflexão sobre o texto do alemão Ende, há de desejar, em fim, uma certa univocidade, um tanto singular; de espelhos, um silêncio potencializado, quem sabe.
Interessante- a linguagem de Ende é absolutamente pictórica e em “Signes”, Merleau-Ponty conclui: “... As vozes da pintura são as vozes do silêncio...”. Também há um pouco do Borges de “O JARDIM dos Caminhos que se Bifurcam”; intertexto do lado íntimo, côncavo da obra- personagens que se citam de livro para livro do autor. Importa começar pelo meio e entrar pelo lado de dentro. A costura é costura de significantes e o bordado mora no seu avesso.
Bárbara O’Brian escreve também sobre uma viagem psicótica solitária e sobre o caminho de volta. Puseram o livro sob suspeita, afinal, ela ousou voltar e escrevê-lo, algo impensável para uma “esquisofrênica”. Em “Operators and Things”, Bárbara está numa estação de ônibus. As vozes (operadores, entidades persecutórias que desenham uma “grade” em seu cérebro e o manipulam como “coisa”, como nos “milagres” do presidente Schreber) ordenam-lhe que retire sua carteira de identidade da bolsa e a rasgue. Nesse momento, tudo fica escuro e o chão da estação ergue-se em direção a seu rosto. Bárbara passa seis meses viajando de ônibus pelos EUA e, já no final do “raptus” psicótico, sente que pode escrever à máquina sobre sua experiência... “É como se um pouco de praia seca voltasse após um tenebroso período de maré cheia...”
O cartunista de humor negro- Roland Topor- termina seu livro “O Inquilino” operando em seu personagem um duplo salto suicida da janela do prédio. Primeiro como seu duplo (a fantasia- Simone) e depois, alquebrado e sangrando por todo o corpo, como o próprio personagem (representado por Roman Polanski). Algo como não poder morrer por consignação; é preciso voltar da fantasia, nem que seja só para morrer.
Por aí se vê que as associações estão bastante livres e se retomo o indigesto Lacan é por estar intrigado com algumas contingências evocadas pela obra dele. Uma escritora como Hilda Hilst, para quem Deus é “... uma superfície de gelo ancorada no riso...” (segundo uma equação a que chegou um de seus personagens, Amós Keres, matemático) alguém assim, para quem toda a questão é uma questão de religiosidade (a da “Obscena Senhora D”, por exemplo) alguém que sofre as agruras de ver seu texto tido e havido como uma espécie de “tábua etrusca” (sic), tem verdadeira ojeriza ao tom frio, quase que maoísta de Lacan.
Pensando assim, que, de um Lacan autodificultado, não se tira frutos. É uma árvore seca que acaba por esterilizar as livre- associações. Haveria de se tornar, aqui, enquanto instrumento, apenas um breve artesanato de metonímias pluralizáveis, circulares e compulsivas, sem fim? Eis, então, uma história sem final pelos caminhos de uma crítica sem finalidade. História e crítica sem fim.
Por Marco A. de Araújo Bueno
PARTE I
Há pelo menos uma razão plausível para se falar em fantasia: a de refazer um percurso de concavidade. Pensar, aliás, nessa palavra é quase poder tocá-la... Tocar o côncavo, sensual e distraidamente, eis um exercício de puro Princípio do Prazer.
Há o contato com o próprio livro, contato materialmente erótico, de cheiro de gráfica, de cores discretas e saborosas, de barulhinhos e sonzinhos da primeira cartilha, da infância. O livro vem de dentro do livro (“... ele agora está nas suas mãos...”) e o côncavo se oferece como um figo recém abocanhado. Suculento como um figo, misterioso como uma caverna.
O livro é um brinquedo novo e ocupa muito pouco espaço: ele ocupa o seu próprio espaço de dentro!
Côncavo, caverna, dentro, figo mordido... Há também uma razão mais antipática para se propor uma quebra de encanto, uma “lize” do erótico. Trata-se, é claro, de uma razão acadêmica, exorcisante de prazer, que só faz restaurar o convexo. Puro Princípio de Realidade.
Assim, se a Psicanálise que Lacan reescreve, preciosista, barroco, passa como um feixe intrincado de conceitos complexos (se isso é, por certo, quase que metodológico nele), se o “lacanês” é pedante e chato e auto-centrado e delirantemente complicado, isso só acontece porque há um caso de amor. Não se deixa um objeto de amor em mãos inábeis, sob os olhares pervertidos de uma psicologiazinha do ego norte- americana, sob os carinhos grosseiros de um adaptacionismo pragmático e imbecilizante, no colo da mais ingênua “ilusão” do sujeito.
Não é complicado achar em Lacan a assunção de uma hábil e estratégica forma de sedução. A palavra freudiana o toca como uma flauta mágica. Ele não apenas escuta as notas, ele as nota deslizando... metonimizando-se. Entra floresta adentro na melodia, sabe-se perdido e torna-se perdinte instituindo a “beance”, a falta- carbono da palavra. Ele acredita nessa mística xamânica da palavra, e é pela palavra que nós nos perdemos nele.
Eu o reencontro nesse livro, um livro roubado (“... La Letre Voullé” de Poe), uma história sem fim, como a figura de um pai cristalizado em um subterrâneo dos sonhos esquecidos (o significante primeiro, inadmitido à consciência?), de esfinges que compendem toda a sabedoria e paralisam... pelo olhar.
Como a partir de uma igrejinha dogmática só se avista discursos confirmatórios, os discursos confirmatórios de Lacan estão aí para mostrar que, pior que o puxa-saquismo da ortodoxia, é a chatice da ortodoxia do puxa-saquismo, o que o próprio Lacan já denunciava como o “não estilo”.
O próximo passo poderia ser justificar as justificativas introdutórias. Prefiro, no entanto, sair pelo livro adentro para tentar sugerir uma semelhança: a que se insinua entre o texto (apesar das sinalizações de trânsito que, por questão talvez de segurança, alternam cores de impressão para legitimar ou não a entrada pela fantasia que, afinal, só tem sentido, se for a “minha fantasia”) e o percurso do sujeito no processo da análise.
A análise também tem sua concavidade. Não se pode usá-la a torto e a direito. Uma espécie de imanência. Entra-se numa análise pelo meio e começa-se pelo lado de dentro. Um exemplo de abuso dos recursos e instrumentos da análise, no caso, poder-se-ia se ilustrar com uma inquietação, meio anedótica, meio “lingüistérica”: Por que razões (o inconsciente é feito de palavras) alguém chamado Michael Ende (... Das Ende?!) se põe a escrever uma história sem fim? Algo mais sério poderia ser: porque sinalizar os caminhos em um texto mais próximo a uma Banda de Moëbios, sem lado de dentro, sem lado de fora, sem direito e sem avesso, como o próprio inconsciente em seu estado de sótão (tão só) onde Bastian lê o livro, em seus estado de discurso, de texto?
Tenho a intenção de propor aqui algo menos lúdico que esse patinar por livre- associações. Dentre as quatro consagradas modalidades de crítica psicanalítica ( voltar-se para o autor como na “Gradiva” de Jensen; para o leitor; para o conteúdo ou para a construção formal do texto) escolho a segunda, até para privilegiar ramificações intertextuais. Não perderia o lúdico de vista. A propósito desta visada, é bom que se lembre- Kafka disse algo como (...) um texto deveria chegar ao leitor como a notícia de morte de um ente querido...
A leitura desse texto provocou-me certos lutos e algumas escotomizações, uma das quais insejou-me declinar de categorias tomadas às sociologias e às histórias, tão diacrônicas.
Se cada leitura é uma re-escritura, essa minha reflexão sobre o texto do alemão Ende, há de desejar, em fim, uma certa univocidade, um tanto singular; de espelhos, um silêncio potencializado, quem sabe.
Interessante- a linguagem de Ende é absolutamente pictórica e em “Signes”, Merleau-Ponty conclui: “... As vozes da pintura são as vozes do silêncio...”. Também há um pouco do Borges de “O JARDIM dos Caminhos que se Bifurcam”; intertexto do lado íntimo, côncavo da obra- personagens que se citam de livro para livro do autor. Importa começar pelo meio e entrar pelo lado de dentro. A costura é costura de significantes e o bordado mora no seu avesso.
Bárbara O’Brian escreve também sobre uma viagem psicótica solitária e sobre o caminho de volta. Puseram o livro sob suspeita, afinal, ela ousou voltar e escrevê-lo, algo impensável para uma “esquisofrênica”. Em “Operators and Things”, Bárbara está numa estação de ônibus. As vozes (operadores, entidades persecutórias que desenham uma “grade” em seu cérebro e o manipulam como “coisa”, como nos “milagres” do presidente Schreber) ordenam-lhe que retire sua carteira de identidade da bolsa e a rasgue. Nesse momento, tudo fica escuro e o chão da estação ergue-se em direção a seu rosto. Bárbara passa seis meses viajando de ônibus pelos EUA e, já no final do “raptus” psicótico, sente que pode escrever à máquina sobre sua experiência... “É como se um pouco de praia seca voltasse após um tenebroso período de maré cheia...”
O cartunista de humor negro- Roland Topor- termina seu livro “O Inquilino” operando em seu personagem um duplo salto suicida da janela do prédio. Primeiro como seu duplo (a fantasia- Simone) e depois, alquebrado e sangrando por todo o corpo, como o próprio personagem (representado por Roman Polanski). Algo como não poder morrer por consignação; é preciso voltar da fantasia, nem que seja só para morrer.
Por aí se vê que as associações estão bastante livres e se retomo o indigesto Lacan é por estar intrigado com algumas contingências evocadas pela obra dele. Uma escritora como Hilda Hilst, para quem Deus é “... uma superfície de gelo ancorada no riso...” (segundo uma equação a que chegou um de seus personagens, Amós Keres, matemático) alguém assim, para quem toda a questão é uma questão de religiosidade (a da “Obscena Senhora D”, por exemplo) alguém que sofre as agruras de ver seu texto tido e havido como uma espécie de “tábua etrusca” (sic), tem verdadeira ojeriza ao tom frio, quase que maoísta de Lacan.
Pensando assim, que, de um Lacan autodificultado, não se tira frutos. É uma árvore seca que acaba por esterilizar as livre- associações. Haveria de se tornar, aqui, enquanto instrumento, apenas um breve artesanato de metonímias pluralizáveis, circulares e compulsivas, sem fim? Eis, então, uma história sem final pelos caminhos de uma crítica sem finalidade. História e crítica sem fim.
13.8.10
ENTREVISTA AO 'PERFIL LITERÁRIO'-RÁDIO UNESP
http://aci.reitoria.unesp.br/radio/perfil_literario/603%20PL_MARCO%20ANTONIO%20DE%20ARAUJO%20BUENO%20OK.mp3
{Entrevistador: Prof. Oscar D'Ambrósio - por telefone -Entrevista n.
{Entrevistador: Prof. Oscar D'Ambrósio - por telefone -Entrevista n.
[Entrevistador: Prof. Oscar D'Ambrósio -Rádio Unesp-FM - Entrevista n. 603/2010]
27.7.10
UM TRATO RETRÔ -[ILUSTRADO POR ALAN CARLINI
De Chaleira: UM TRATO RETRÔ http://goo.gl/b/6lSD Privilégio maior a sincronia:Alan Carline explode em traço a personagem do meu conto-Vilma!
UM TRATO RETRÔ
Por Marco A. de Araújo Bueno
Nas semanas depois do acidente tudo estava confuso, sobretudo a identidade dela, sua auto-imagem. Cirurgias seguidas, rotinas alteradas e intoxicação medicamentosa – dessa geléia plasmada na pressa, na dor e na urgência, precisava extrair uma nova matriz identitária, urgente, na pressa; com dor e tudo. Tempo lhe sobrara, um tempo flácido de esperar o tempo passar entre as pontualidades dos remédios, das consultas. E foi nessa oficina do capeta que surgiu a idéia de juntar suas fotos três por quatro e organizá-las numa tomada de vista única. O efeito foi arrebatador. Tudo lá, simultâneo e chancelado pelo olhar oficial de fotógrafos profissionais lidando com o que chamavam de “o cu da profissão”. Ei-la, em fotogramas manchados por marcas de carimbo, distribuída pelo tempo linear; comovente – retratos, só.
Só? Uma constelação de achados sobre si mesma. Ela, uma pedra Roseta a lhe propor uma espécie de arqueologia do próprio rosto; a convocá-la à descoberta de recorrências e revelações tão sutis sob a lupa da maturidade. Sim, o retrato oficial é um tipo de seqüestro da imagem, constatou. O negativo entregava, pelo afã do bem-parecer, os desastres todos que, foto a foto, repetiam-se na captura de um rosto angustiado aqui, outro tão amargo mais adiante, tão falso-relaxado por vezes. Tão pouco e muito – ela, sempre. Sempre o desafio de contornar a precariedade do registro com algum artifício improvisado. Sorriria? Posaria solene conforme o destino institucional do retrato – um RG, uma CNH, uma matrícula. E sempre só mais tarde a idéia de que aqueles retratos que a precederiam em inscrições e situações protocolares, numa surpresa perpétua ou quase, fariam a reedição de sua pertença por um rosto que já pouco lhe pertencia.
Mas a visada agora era diferente. Tratava-se de lançar mão do que fosse a potência de alguns traços, de reeditá-los mentalmente e construir um compósito de rosto certo, autêntico e quase heróico por ter sobrepujado a aflição dos momentos alinhavados, com vistas a moldar um rosto leal a si mesma, abstraída a linha do tempo.
Com tantas restrições de movimento, de ações mínimas do rosto, vinha notando um empobrecimento da gestuária e da expressão facial. Reduzido a deslocamentos estereotipados, o rosto que emergia do colar cervical levou-a a perceber-se como uma tartaruga ou com uma pomba de anel no pescoço. Os olhos, olhos apassivados, acomodando-se à passividade, oscilavam entre a máscara da dor e a contemplação resignada dos momentos de trégua. Assim, somado à construção do compósito redentor, ocorreu-lhe eleger uma dentre as fotos para identificar-se com ela, imitar-lhe o semblante e recriar alguma vivacidade, alguma expansão a partir do que jazia capturado ali, eivado de vida. Parecer-se consigo, imitar as ações correspondentes, injetar-se vida. Mas vida lastreada, avalizada por uma biografia retrospectiva. Ideal e fiel ao que fora, um dia, a máscara que melhor podia representá-la para o olhar do mundo administrado que lhe exigira os retratos desidratados de vida. Vida seca? Ora, vida...
Estava há horas no editor de fotos, olhos secos, pernas dormentes e completamente magnetizada. É este! E no exato momento em que proferiu a escolha percebeu-se impregnada pelo repertório completo subjacente ao retrato. Agora chega, Vilma – a voz firme e benevolente do marido – Faça algum alongamento, você está impregnada de remédios opíóides, do campo eletromagnético do computador, de inércia! Vilma, chamada pelo nome, sem apelidos, diminutivos, girou a cabeça na direção da voz e, plena de seu repertório resgatado, ergueu a cabeleira com as duas mãos, lançou-a para trás, sorriu mordendo o cantinho da boca e, sedutora como aos dezessete, elevou os olhos para o teto em busca de um vazio prontinho para ser colonizado por uma fala nova. Original porque a origem era ela; original pela ruptura com as falagens mornas com que vinha recobrindo sua convalescença:
-Impregnada, uau! Opióides,é? Já acabei aqui, vou passar um protetor e tomar um sol; fodam-se os edemas. E mais, uma cervejinha ou duas não vão me matar.
Na tela, a vestibulanda audaciosa, cheia de verdades indizíveis e congelada no tempo, emanava vibrações e hormônios tempestuosos e...vida, direto para essa nova Vilma, já publicitária interrompida , libido em concordata e um calvário por rotina aos trinta e oito, incompletos. Na tela, a Vilma poderia secar, diria um Oscar Wilde. Um trato; belo trato dionisíaco em plena vigência do tratamento apolíneo. Vida chama vida, ora. E ecos de leituras juvenis ocupavam seus devidos espaços na parte de dentro da cabeça, em cujo rosto pálido, os olhos agora cintilavam.
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COLUNAS NO BLOGUE COLETIVO 'DE CHALEIRA'
30.6.10
'ARQUIVO TRUNCADO' {Posimetrum sci-fi inédito ao PORTAL 2001-Livro V do Projeto Portal
“ARQUIVO TRUNCADO”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
I
Perdi a conta da minha idade-Terra; um tempo cuja dimensão objetiva deslizou pelos meus dedos-prótese. Para efeitos censitários, a propósito, nunca souberam onde me encaixar, em que categoria neo-etária, funcional (‘pesquisador arqueólogo’, cogitavam; mas – o quê exatamente faz?) ou econômica. Um emblema dessa minha resistência é cultivar abertamente um vocabulário extemporâneo, nada funcional neste pós-reforma que substituiu a retórica pela criptografia globalizada Minhas experiências com linguagem não utilitária andam expondo-me a riscos. E em meus sonhos da noite voltam estes com meu deslizar sobre paralelepípedos.
O divisor de águas, uma de minhas diletas expressões, foi a digitalização que fizeram de minha tese “Nidra”, a partir dos arquivos que restaram do departamento de línguas mortas, num desses feudos institucionais que sobreviveram à fúria devastadora das novíssimas normativizações. Sânscrito? Davam de ombros e me davam sossego para trabalhar com certa autonomia, seja porque não gozava de reputação alguma, ou demandava verbas, subsídios, muito menos - visibilidade. E se esta condição punha-me a salvo dos eflúvios de vaidade intelectual (palavra banida desde 2073), não me protegia de toda discriminação social embutida em minha ‘triste figura’. Um invisível deslizante.
II
Por ladeira de paralelepípedos escoa o fluxo dessa aventura. Mas, vocábulo infenso, refratário à fluência poética, exige um freio igualmente duro, como um ‘que’. Então - e deitando meu peito sem camisa numa esteira imaginária de rolimã, deslizo pela rua calçada de paralelepípedos que, ensaboados pelo sol a pino liquefazem minha vertiginosa onipotência onírica.
A mil e duzentos metros de altitude a roxa é macia como travesseiros-da-nasa. Com o peito quase resvalando o calçamento, nas baixuras, não é diferente a coisa táctil, amaciada pelo sonho induzido. Mesclando um pós-sonho com o caminho-das-pedras, narrativo, eis o que faço – colher, com uma tarrafa remendada todo o nado dos peixes de um sonho, sonho da noite. Recorro, descaradamente, aos textos literários de toda uma civilização proscrita da nova ordem. Se, pelo conto de Borges, me é dado acordar para escapar da morte, também me soa imperativo não truncar o fluxo, subterrâneo ou panorâmico, em nome do cumprimento de um devir metabólico - o de não despertar. O sonho foi um acordo, sempre o é; devo honrá-lo; gosto se me saber sonhado. O Sonho é um paralelo epíteto, somado a um que de não sei o quê.
III
Não me cadastrei no programa de ‘recall’ genético nem sou beneficiário do SAT – o sistema, de inspiração totalitária (outro vocábulo banido), que prescreve atenção terciária aos genomas de meus concidadãos. Até porque, mesmo estes, desconhecem o que seja cidadania e o máximo que sabem sobre compartilhar, concerne à passividade com que se iludem com expropriações em seus corpos e almas. Sou uma alma penada em corpo rebelde e, repito – estou correndo riscos. Em minha mais recente excursão à Área Sete, tive meus dois caixilhos confiscados mais os auriculares desabilitados, pelo trauma resultante de uma ação miliciana, truculenta e à luz das três horas do terceiro período, outrora chamado ‘madrugada’. Tratava de acertar a publicação, por demanda, do texto que narra minha aventura com superfícies de paralelepípedos. Meus contratantes desapareceram, física e judicialmente. Trago brotoejas na nuca (indícios de implante remoto de sensores de movimento) e me sinto seguido em cada quadrante, apesar de minhas credenciais antiquadas. Ah, sim – faço conjecturas sobre minha idade sim, porque mantive os marcadores de referência temporal que colhi por inferência. Sou um humano de idade avançada; avancei o quadrante da pós-humanidade.Repito – es...
{Dedicado ao amigo escritor e colega-colunista do blogue De Chaleira - Eutáquio Gomes}
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COLUNAS NO BLOGUE COLETIVO 'DE CHALEIRA'
14.6.10
“SEGUIMENTO DEZENOVE”
Por Marco A. de Araújo Bueno
I
Minutos antes de uma hora impossível da manhã, o homem renitente submerge d’algum vão de escadaria do metrô em qualquer plataforma que rasga dos mais de seiscentos quilômetros da malha de Nova York.
Fosse de Tókio, de Londres, ele viria surgindo igualmente íngreme; de Moscou – duzentos e cinqüenta quilômetros – tê-lo-íamos visto desenfurnando também, a distar meio metro dos demais transeuntes, outros seres; seus concidadãos...
Onde quer que haja boa malha no que foram grandes cidades, e não tenham, ainda, se engolido a si próprias nessas dobraduras subterrâneas, ele, o homem renitente, terá brotado de novo aí para desaparecer-se outra vez mais adiante e sempre.
Sempre cravando sua pontualidade geométrica, sincopada, desaflita – sôfrega de tanta uniformidade constante – o que aflige e até embriaga observadores desatentos, ou, atentos em demasia. Eis o que veremos.
Veremos a indumentária passando em rasgo, aquela do homem-uniforme qualquer, de qualquer ciclo e quadrante, e deixando resíduos de naturalidade corriqueira porque sempre e sempre muito reconhecível pela funcionalidade discreta, infatigável.
Nunca o veremos aportando de vez, chegando a qualquer parte a guardar as cascas do trajeto em compartimento numerado, com partículas de véspera por dentro; nenhum conforto o aguarda nunca - essa é a impressão que fica.
Desta vez, o vemos rasgar da plataforma portando um retângulo grosseiro (nada parecido com um caixilho) semi-envolto em pasta padrão antiga, com um display aberrante e embaçado de chuva ácida. Parece ter catarata nos calçados, nesse estar indo.
II
Neste seguimento, porém, de muitas perspectivas alguns observadores aleatórios o contemplam, para diferentes finalidades de estudo. Nesse registro o recortamos e assim expomos alguma perplexidade. Os diálogos foram vertidos para Unilíngua, o que, se apaga alguns marcadores significativos, amplia as possibilidades de se estabelecer um padrão. O trânsito das observações está desabilitado. Nada será reportado em tempo real à instância reguladora do experimento. Da massa documental, far-se-á uma matriz a instruir os passos seguintes:
S/19-1:
- Lá vem o homem...
- Tão insignificante... E nós aqui só existimos por causa dele!
- Por quê? Com que ele opera, afinal?
- Com as condições da nossa existência, ora; e por contraste. Nossa visibilidade como pós-humanos depende dele, como pano de fundo.
- Isso é desconcertante, abusivo...
- É que nos revela as nossas virtualidades transgressivas. É um paradoxo – podemos explodir coisas, abstratas, até. Mas, se ele desaparecer por causa disso, sanções nos aguardam. E essas sim – desconcertantes.
- Ele é nossa bomba-relógio... Não o perca!
S/19-2:
- O homem está vindo de ou indo para?
- Eis a questão, o do que se trata; o móvel...
- Podemos ser mais pragmáticos?
- E o pragmatismo não está na ação, nesta que ele incorpora?
- Pois o homem com quem se depara, já não o vejo!
- Será que ele nos vê?
- Filosofia, poesia e nós aqui – parados!
S/19-3:
-Pois bem, a idéia é rastreá-lo e mapear o deslocamento dele.
-Descartada; não podemos tocar nele nem abordá-lo.
-Ficaremos nas conjecturas, então?
-Não. É um impasse metodológico...
-Poderíamos segui-lo à distância?
-Não temos tal competência.
-E perderíamos o olhar - estrangeiro...
S/19-4:
-Não entendo a lógica do Seguimento Dezenove...
-Cotejar diferentes perspectivas, ora; suponho - os observadores, a neutralidade, os duplo-cego e os modelos quânticos; os velhos parâmetros, não?
-E nada sobre os riscos? Os velhos riscos?
-Ora, um andarilho renitente, uniformizado e sem pertença; catatonia agitada; onde os riscos?
-Nessa aparente singeleza do fenômeno; em nossa ignorância adestrada...
-Lá vem o homem, observe, sem obscurantismos.
-Tenho maus pressentimentos...
S/19-5:
-Veja como ele não se dissolve no fluxo pela plataforma; segue tão pontiagudo.
- Pode atrair raios! Aquele retângulo tosco... Condutível?
- Acho improvável, mas tem qualquer coisa estranha nisso!
- Que autonomia teríamos para agir, em caso de desastre?
- Nenhuma. O que nos cabe é oferecer a nossa perspectiva do desastre.
- Então pondera a possibilidade de um desastre?
- Eu não pondero nada, apenas observo, ora.
S/19-6:
- Todo este aparato ótico, é só o que temos...
- Não nos cabe maiores intervenções. Um enigma, esse homem!
- E como mostraremos competência à instância reguladora?
- Cumprindo nosso contrato; somos instrumentos óticos e...
- E você deve baixar essa ansiedade. Esse ambulante é objeto para pesquisa pura e nós contamos pouco, é isso?
- É mais ou menos isso. Sejamos discretos e renitentes, como o nosso objeto de estudo.
- Acho meio conspiratória essa falta de ação...
S/7-7:
- Nada do homem neste quadrante...
- Nem sinal. O que estará acontecendo aos olhos dos outros?
- Talvez a mesm... Que porra é aquilo, explosão?!
- Vazamento radioativo na Área Sete! Abortar a tarefa!
- Alá, o homem renitente... Caminhando?!
- Em plena plataforma em alerta!
- E aquele caixilho tosco, onde foi parar?!
Por Marco A. de Araújo Bueno
I
Minutos antes de uma hora impossível da manhã, o homem renitente submerge d’algum vão de escadaria do metrô em qualquer plataforma que rasga dos mais de seiscentos quilômetros da malha de Nova York.
Fosse de Tókio, de Londres, ele viria surgindo igualmente íngreme; de Moscou – duzentos e cinqüenta quilômetros – tê-lo-íamos visto desenfurnando também, a distar meio metro dos demais transeuntes, outros seres; seus concidadãos...
Onde quer que haja boa malha no que foram grandes cidades, e não tenham, ainda, se engolido a si próprias nessas dobraduras subterrâneas, ele, o homem renitente, terá brotado de novo aí para desaparecer-se outra vez mais adiante e sempre.
Sempre cravando sua pontualidade geométrica, sincopada, desaflita – sôfrega de tanta uniformidade constante – o que aflige e até embriaga observadores desatentos, ou, atentos em demasia. Eis o que veremos.
Veremos a indumentária passando em rasgo, aquela do homem-uniforme qualquer, de qualquer ciclo e quadrante, e deixando resíduos de naturalidade corriqueira porque sempre e sempre muito reconhecível pela funcionalidade discreta, infatigável.
Nunca o veremos aportando de vez, chegando a qualquer parte a guardar as cascas do trajeto em compartimento numerado, com partículas de véspera por dentro; nenhum conforto o aguarda nunca - essa é a impressão que fica.
Desta vez, o vemos rasgar da plataforma portando um retângulo grosseiro (nada parecido com um caixilho) semi-envolto em pasta padrão antiga, com um display aberrante e embaçado de chuva ácida. Parece ter catarata nos calçados, nesse estar indo.
II
Neste seguimento, porém, de muitas perspectivas alguns observadores aleatórios o contemplam, para diferentes finalidades de estudo. Nesse registro o recortamos e assim expomos alguma perplexidade. Os diálogos foram vertidos para Unilíngua, o que, se apaga alguns marcadores significativos, amplia as possibilidades de se estabelecer um padrão. O trânsito das observações está desabilitado. Nada será reportado em tempo real à instância reguladora do experimento. Da massa documental, far-se-á uma matriz a instruir os passos seguintes:
S/19-1:
- Lá vem o homem...
- Tão insignificante... E nós aqui só existimos por causa dele!
- Por quê? Com que ele opera, afinal?
- Com as condições da nossa existência, ora; e por contraste. Nossa visibilidade como pós-humanos depende dele, como pano de fundo.
- Isso é desconcertante, abusivo...
- É que nos revela as nossas virtualidades transgressivas. É um paradoxo – podemos explodir coisas, abstratas, até. Mas, se ele desaparecer por causa disso, sanções nos aguardam. E essas sim – desconcertantes.
- Ele é nossa bomba-relógio... Não o perca!
S/19-2:
- O homem está vindo de ou indo para?
- Eis a questão, o do que se trata; o móvel...
- Podemos ser mais pragmáticos?
- E o pragmatismo não está na ação, nesta que ele incorpora?
- Pois o homem com quem se depara, já não o vejo!
- Será que ele nos vê?
- Filosofia, poesia e nós aqui – parados!
S/19-3:
-Pois bem, a idéia é rastreá-lo e mapear o deslocamento dele.
-Descartada; não podemos tocar nele nem abordá-lo.
-Ficaremos nas conjecturas, então?
-Não. É um impasse metodológico...
-Poderíamos segui-lo à distância?
-Não temos tal competência.
-E perderíamos o olhar - estrangeiro...
S/19-4:
-Não entendo a lógica do Seguimento Dezenove...
-Cotejar diferentes perspectivas, ora; suponho - os observadores, a neutralidade, os duplo-cego e os modelos quânticos; os velhos parâmetros, não?
-E nada sobre os riscos? Os velhos riscos?
-Ora, um andarilho renitente, uniformizado e sem pertença; catatonia agitada; onde os riscos?
-Nessa aparente singeleza do fenômeno; em nossa ignorância adestrada...
-Lá vem o homem, observe, sem obscurantismos.
-Tenho maus pressentimentos...
S/19-5:
-Veja como ele não se dissolve no fluxo pela plataforma; segue tão pontiagudo.
- Pode atrair raios! Aquele retângulo tosco... Condutível?
- Acho improvável, mas tem qualquer coisa estranha nisso!
- Que autonomia teríamos para agir, em caso de desastre?
- Nenhuma. O que nos cabe é oferecer a nossa perspectiva do desastre.
- Então pondera a possibilidade de um desastre?
- Eu não pondero nada, apenas observo, ora.
S/19-6:
- Todo este aparato ótico, é só o que temos...
- Não nos cabe maiores intervenções. Um enigma, esse homem!
- E como mostraremos competência à instância reguladora?
- Cumprindo nosso contrato; somos instrumentos óticos e...
- E você deve baixar essa ansiedade. Esse ambulante é objeto para pesquisa pura e nós contamos pouco, é isso?
- É mais ou menos isso. Sejamos discretos e renitentes, como o nosso objeto de estudo.
- Acho meio conspiratória essa falta de ação...
S/7-7:
- Nada do homem neste quadrante...
- Nem sinal. O que estará acontecendo aos olhos dos outros?
- Talvez a mesm... Que porra é aquilo, explosão?!
- Vazamento radioativo na Área Sete! Abortar a tarefa!
- Alá, o homem renitente... Caminhando?!
- Em plena plataforma em alerta!
- E aquele caixilho tosco, onde foi parar?!
24.5.10
UMA RESENHA AO PORTAL STALKER
Projeto Portal
Por Priscila Fernandes Schumacker ( Tsu)
[www.empadinhafrita.blogspot.com]
O que ser esta Fundação literária? Criatividade, mergulho às profundezas do futuro apocalíptico, do ciberespaço, do eu que não é o nosso mas que ainda sim é a consciência do eu existencial. A filosofia da complexa mente homo sapiens a divagar poeticamente no eixo imaginário. Enredos ambíguos a cada folhear, o pensamento na forma de letras e frases com o intuito de repassar a consciência e a criatividade para aqueles que as possam compreender, total ou imparcialmente.
Dividido em seis Portais, é um projeto literário compilando autores que, diferentes entre si, nada mais são que singulares. Seres sociais, amantes de sonhos, devaneios e aliterações.
As narrativas abordadas são contos selecionados por determinados escritores e blogueiros, todos reunidos na mesma linha de pensamento, porém alocados em pontos diferentes. A disposição das narrativas, bem como os temas e enredos abrangidos não obedece a um padrão estritamente específico em qualquer dos Portais. E deixa-se claro que s disposição dos textos contidos, relação alguma tem com a diferença da qualidade ou linguagem literária. Se existe algo estabelecido, advém de um critério pessoal que possa ser composto pelo próprio leitor.
O enredo das histórias narradas por cada autor possui o mesmo tema a despeito das diferenças de linguagem, embora isso não pareça elucidado, evidentemente, à princípio. E o tema - como regra geral - é o futuro. Ou melhor, uma visão pessoal, literária e poética - criativa - da Ficção Científica. A ficção científica além da galáxia, da evolução do homem e do retorno ao nosso eu.
O Projeto Portal é uma transmigração. Uma transmigração para a criatividade e qualidade de linguagem literária. Confuso às vezes por ser reflexivo; pois, em cada narrativa, além da história, há uma parcela de seus criadores.
Por mais que procure, você não encontrará quaisquer exemplares do Projeto Portal em grandes lojas. Pois eles não são vendidos e sim distribuídos a uma pequena parcela de leitores. Leitores para quem os escritores entregam gratuitamente os livros; em mãos daqueles capazes de absorver e compreender os significados - mascarados ou não - contidos em cada conto.
A liberdade filosófica da mente humana na coexistência com tudo que a cerca é traduzida na viajem ao futuro ficcional, onde tudo pode ser diferente ao nosso redor, mas ainda sim – igual - dentro de nós mesmos.
Através do Projeto Portal você conhecerá não apenas outros mundos, mas outros sistemas de pensamento e linguagem. E conhecerá também outros comportamentos e estados de consciência. E quem sabe a eles ingressar.
Por Priscila Fernandes Schumacker ( Tsu)
[www.empadinhafrita.blogspot.com]
O que ser esta Fundação literária? Criatividade, mergulho às profundezas do futuro apocalíptico, do ciberespaço, do eu que não é o nosso mas que ainda sim é a consciência do eu existencial. A filosofia da complexa mente homo sapiens a divagar poeticamente no eixo imaginário. Enredos ambíguos a cada folhear, o pensamento na forma de letras e frases com o intuito de repassar a consciência e a criatividade para aqueles que as possam compreender, total ou imparcialmente.
Dividido em seis Portais, é um projeto literário compilando autores que, diferentes entre si, nada mais são que singulares. Seres sociais, amantes de sonhos, devaneios e aliterações.
As narrativas abordadas são contos selecionados por determinados escritores e blogueiros, todos reunidos na mesma linha de pensamento, porém alocados em pontos diferentes. A disposição das narrativas, bem como os temas e enredos abrangidos não obedece a um padrão estritamente específico em qualquer dos Portais. E deixa-se claro que s disposição dos textos contidos, relação alguma tem com a diferença da qualidade ou linguagem literária. Se existe algo estabelecido, advém de um critério pessoal que possa ser composto pelo próprio leitor.
O enredo das histórias narradas por cada autor possui o mesmo tema a despeito das diferenças de linguagem, embora isso não pareça elucidado, evidentemente, à princípio. E o tema - como regra geral - é o futuro. Ou melhor, uma visão pessoal, literária e poética - criativa - da Ficção Científica. A ficção científica além da galáxia, da evolução do homem e do retorno ao nosso eu.
O Projeto Portal é uma transmigração. Uma transmigração para a criatividade e qualidade de linguagem literária. Confuso às vezes por ser reflexivo; pois, em cada narrativa, além da história, há uma parcela de seus criadores.
Por mais que procure, você não encontrará quaisquer exemplares do Projeto Portal em grandes lojas. Pois eles não são vendidos e sim distribuídos a uma pequena parcela de leitores. Leitores para quem os escritores entregam gratuitamente os livros; em mãos daqueles capazes de absorver e compreender os significados - mascarados ou não - contidos em cada conto.
A liberdade filosófica da mente humana na coexistência com tudo que a cerca é traduzida na viajem ao futuro ficcional, onde tudo pode ser diferente ao nosso redor, mas ainda sim – igual - dentro de nós mesmos.
Através do Projeto Portal você conhecerá não apenas outros mundos, mas outros sistemas de pensamento e linguagem. E conhecerá também outros comportamentos e estados de consciência. E quem sabe a eles ingressar.
2.5.10
22.4.10
TEMPO VIRTUAL, MATE REAL - CONTO SCI-FI INSPIRADO EM CONTO DE MACHADO DE ASSIS,de 1866
[ILUSTRAÇÂO POR ALAN CARLINE, DO BLOGUE COLETIVO 'DE CHALEIRA']
“Tempo Virtual, Mate Real”
Por Marco Antônio de Araújo Bueno
Logo que percebeu como tratavam aquele que o aguardava na recepção disparou a tomar providências. Trataram-no por Senhor e se isso não era um código de segurança, era sinal para acionar dispositivos adicionais de etiqueta, protocolos de natureza diplomática. O Senhor que o aguardava não abriria mão de suas prerrogativas, das armas e brasões que o precediam. Mesmo sabendo da farsa daquele cerimonial.
Apresentou-se cordialmente, sentaram-se. Notou que o Senhor evitava o confronto visual e mantinha certa rigidez nos gestos; que não se apartava de seu caixilho 9.0, atrelado ao pulso, por um cordão metálico incrustado de minúsculos ornamentos verdes. – “Relíquias do auspicioso clã, Senhor? bonita peça!” , gracejou para quebrar a formalidade. Mas o Senhor respondeu que não, que se tratava de material explosivo.
Configurava-se uma situação de risco, agora sim, mas não tinha como apartar-se do ilustre visitante para os expedientes cabíveis; um “com sua licença, volto num instante” soaria como um “vou chamar a segurança”. Enxadristas vibrariam com a perspicácia resoluta daquele mate real já anunciado. A saída exigia compostura e raciocínio antecipatório.Uma varredura seletiva em seu repertório de alternativas afins.
Havia, para ganhar tempo, um recurso muito eficiente quando se tratava de representantes de aristocracias e portadores de mutações genéticas que potencializavam a estima pessoal e a vaidade. –“Esses caixilhos 9.0, Senhor, um grande privilégio prevalecer-se de dispositivos tais que permitam inibir nossos sensores, esses, também de última geração, que detectam roteadores de tempo real. O valor dessa máquina!”.
Afastando as mãos como se contornasse o caixilho, expressão mais relaxada no rosto, Senhor mordeu a isca, não sem antes desferir uma ofensa de natureza institucional: - “Seus sensores têm a vulnerabilidade típica das instâncias censoras, aguçam nosso ímpeto de desafiar, de descobrir as falhas do sistema...” A expressão não era de riso; era um esgar malicioso de quem já conta com os louros. Vitória por mérito...
Cintilava nos olhos de ambos um indelével desejo de astúcia, de reconhecimento meritório de astúcia de um – o Senhor -, que demandava aplausos da platéia entusiasta que julgava ter no outro, e deste outro que exalava um devir de sobrevivência e instigava: -“Em nossas idades-Terra, Senhor, meninos é que somos nessas circunstâncias, ávidos por imaginar proezas dessas engenhocas, ardemos de contentes!”.
Senhor, abrindo o painel do caixilho, exultava: -“E já que explodiremos juntos, mal me contenho em excitar sua imaginação: imagina o recurso que usei para enganar seus sensores”.-“ Não alcanço!”. –“Uma singela máscara de interface na área do relógio.”, e abriu o código fonte, inclinando o corpo para o exato quadrante coberto por uma das câmeras de vigilância. O outro ergueu os braços, solerte; -“Desenvolvedor!”
Ao erguer os braços, porém, a câmera registrou o dedo indicador direito apontando para o alto e o esquerdo para o painel do caixilho que escancarava o hackerismo, agora, detectado e desfeito com recuso tão singelo quanto o concebido pelo desenvolvedor – uma intervenção no relógio do sistema e subsistemas coadjuvantes tornava virtual toda a sequência do tempo transcorrido desde a chegada do Senhor...
Quando, já no final daquela troca de amenidades tecnológicas, algo nefasto apontava para o imponderável da missão do Senhor, este, lacrando seu caixilho, retesou-se e proferiu, solene: -“ Hora do fim, colega!”-“Ora, ora, temos tempo, Senhor, uma câmera flagrou e desabilitou a contagem. Para todos os efeitos, não tivemos este encontro porque o Senhor não entrou aqui. Prefere seu chá com leite? Seu avatar gosta?”
2.2.10
"A FILA" - Conto lido pelo prof. F.Ficomeno All'Gollen - no blogue coletivo De Chaleira
VIDE "FESTINA LENTE" |
Prosódia & Ostaraniênie no http://www.e-chaleira.blogspot.com/ (BLOGUE COLETIVO)
15.1.10
12.1.10
FIM DA CONEXÃO PAULISTA D'O BULE"!
Perplexo com a deslealdade de um intrahakerismo em texto meu (fundamento do blogue coletivo), ontem, 17:10, retiro-me com minhas postagens (e respectivos comentários de leitores, pelo que me desculpo)desse blogue que alcançou, em dez dias de vida, mais de setenta seguidores, além de propiciar uma verdadeira sabatina pela imprensa escrita (pelo crítico João Nunes, do Caderno C do Correio Popular de Campinas-SP)no que fui seguido pelos colegas Maurício de Almeida (escritor) e Alan Queiroz (artista plástico).Publicarei aqui o conto "Sem Nome" previsto para o próximo número do Projeto Portal.Retornaremos arrastando talentos forjados nos encontros do Sesc, com prosadores, memorialistas, poetas, haikaístas, microcontistas e quejandos da Revista Roda*, breve, muito breve, fotalelecido nas minhas Brevidades literárias. Desconsiderem enlaçes quaisquer de textos meus com o que restou d'O Bule" (Carlos Abreu - sua laboriosa sugestão de nome, tão mágico, ficou pelo caminho, desencantada; sei que compreenderá), no twetter d'Bule, nos 'restícios' requentados no natimorto blogue coletivo.
Fervido 2010, pois não?!
Fervido 2010, pois não?!
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